quarta-feira, março 06, 2002

O que é um escritor?


Quem o sabe? O escritor é criatura misteriosa que no imaginário popular flutua por entre o comum dos mortais, imbuído de uma qualidade rara, um elemento quase suprahumano, nas raias do divino.

Esta é a imagem. A realidade é outra.

O escritor não é um deus. A única diferença entre ele e outras pessoas reside no facto de escrever livros. É uma profissão como qualquer outra. Um ofício - mas escolhido e não imposto.
Talvez a primeira sensação de estranheza venha daí, de se escolher a profissão, o trabalho. Não afirmo que a maioria das pessoas não faça o mesmo. Consideremos, por instantes, que seja assim efectivamente na maior parte dos casos. Porém quem escolheu ser escritor sabe que fez uma escolha muito pouco atractiva em puros termos financeiros. Raros são os escritores ricos. Raros. Ninguém, no seu perfeito juízo, opta por algo que dê tão pouco dinheiro. Logo conclui-se que quem o fez só pode ter sido por gosto. Trata-se de uma escolha livre. Vinda da vontade que se cumpre. Não é de invejar?

A outra impressão de estranheza advirá do facto do que o escritor, mais do que decidir sê-lo, responde à chamada, ao apelo interno. É quase um sacerdócio. Se analisássemos bem no fundo descobriríamos que não chega a ser uma escolha, mas um caminho inevitável. Talvez tenha nascido com a pessoa, ou talvez tenha desabrochado devido a influências ambientais. É uma semente que germina no decorrer dos anos.
Há outros motivos que justificam a reverência e admiração nutridas por ele. Quem escreve contribui para a alma dos seus pares, para a alma - histórica e social - do próprio país e língua. O escritor forma, no presente, a forma como os do futuro se pensarão. Mesmo não dando indício visível de estar a contribuir activamente (escrever é uma coisa de aparência tão passiva) ele, parecendo nada fazer, faz mais do que se estivesse ocupado em acções e gestos (tantas vezes vazios) desgastantes e cansativos.

O escritor é quem é interiormente compelido a pensar-se e a pensar os outros. E talvez seja isso o que mais nos estranhe: a acção de pensar.

Quem é que nos dias de hoje tem tempo de se pensar a si próprio? Parvoice... não estamos todos demasiados ocupados a viver?


Sem comentários: