Concorri. Não ganhei. Ver vencedores e seus textos aqui:
http://premioliterariohernanicidade.blogspot.pt/
Aqui deixo o texto com que eu concorri.
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A FUNÇÃO SOCIAL DO ESCRITOR
O escritor descreve, narra e conta; ele presta testemunho de vivências, revelando e pincelando a realidade com a sua perspectiva. Porém, num mundo tão sobrecarregado de imagem, haverá ainda lugar para a palavra? E terá ela peso?
Julgamos que sim, pois o escritor pode descrever com a intensidade adequada toda a miríade das íntimas emoções alheias, servindo como a voz daqueles que não a têm ou nem sequer têm consciência de que podem ter voz e que ela deve ser ouvida.
Mas deve o autor escrever com a clara intenção de manipular a sociedade com vista à obtenção de um resultado? Quiçá dependa do resultado pretendido. E se este beneficia não apenas o próprio criador (no sempre almejado desejo de grandeza e imortalidade), mas se serve sobretudo para trazer à consciência da população algo injusto e iníquo, que deve ser corrigido.
Contudo há já outros instrumentos denunciantes de realidades de vida menos palatáveis - tais como a fotografia e o vídeo. Certamente não cumprirão estes uma função social, substituindo por inteiro o papel de quem escreve? Pode argumentar-se que sim, que uma fotografia substitui mil palavras cuja mensagem é de imediato aparente a quem a vê, transcendendo diferentes culturas e idiomas. E no entanto se é verdade que se pode manipular com palavras, o mesmo se pode dizer da fotografia e de qualquer reprodução digital.
A palavra une. A palavra é imediatamente reproduzível e é mais humana. Pode ser lida e representada. A palavra escrita, por não ser imagem, evoca um vasto leque de sentimentos que por vezes ficam fora da fotografia ou do filme. Logo, o papel do escritor (e da literatura) nunca irá desaparecer.
Uma imagem conta-nos a história de um momento. Um livro pode contar a história alargada de muitos momentos. De muitas décadas.
Além disso, as obras literárias servem também como metáforas a ilustrar situações contemporâneas. Esta ilustração tanto pode ser um mero esclarecimento como uma denúncia. Podem até servir como avisos para evitar perversas situações futuras. Um exemplo: George Orwell, que na obra 1984 nos revela o Estado Totalitário em toda a sua crua e abjecta realidade.
Para além do mais, a Literatura ainda transporta em si uma das funções primordiais que é a de ensinar. E este ensinamento pode ir desde a Filosofia (O mundo de Sofia, de Jostein Gaarder) até às máximas morais exemplificadas em simples contos infantis.
A utilidade social da literatura nunca se perde, por mais que se reinventem géneros literários. Um texto que teve grande impacto foi o célebre J’accuse de Émile Zola, cuja indignação denunciou o tratamento injusto de um cidadão do seu país, vítima de preconceito por ser judeu. Outro exemplo, mais actual, e talvez menos conhecido na Europa é a denúncia da condenação à pena capital de Ronald Keith Williamson, baseada em prova nenhuma, denúncia posta numa obra de não-ficção (The Innocent Man) pelo escritor norte-americano John Grisham. Este livro ilustra bem como se pode ser erradamente condenado por um crime que não se cometeu, mercê de elementos da máquina da justiça que simplesmente querem condenar seja quem for.
Não esquecer, igualmente, o papel de resistente do escritor. Não obstante censuras estatais, por exemplo, o escritor, o poeta, muitas vezes resiste apenas com a força da sua palavra. Ele grita com poesia o que os outros são forçados a sofrer em silêncio. Apesar de muitas vezes ameaçada a sua integridade física, ele passa a mensagem de que resiste e de que o leitor deve resistir também. Um exemplo desta poesia de resistência pode ser dado com o brilhante poema “A Dita Dura” de José Carlos de Vasconcelos
A literatura tem mártires que lutam sem espada. Ela sempre terá um papel social. É impossível não tê-lo. O escritor, ao cumpri-lo transcende o mero entretenimento. Não que entreter seja uma utilidade menor. Do ócio também vive o homem. No entanto, é quando entretém e testemunha que o autor se cumpre inteiramente na sua função de escritor.
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