domingo, setembro 30, 2012

SENHOR BENTLEY COM AS IDEIAS DO COSTUME (29 Setembro de 2012)

(Algo que escrevi ontem, durante o percurso do Metro. Em cerca de 15 minutos, mais ou menos.)
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O Senhor Bentley às vezes tem ideias do catano. O magano decidiu juntar-se à manifestação no Terreiro do Paço. Calçou as pantufinhas, pôs um gorro de dormir todo catita, vestiu o pijama com flores rosas e amarelas, pegou de supetão no guarda-chuva (estremunhado, o coitado dormia) e allez-hop – lá foi ele para o Terreiro do Paço.
- Vou-me Manifestar! - dizia, ao pombo que o quisesse ouvir. - Vou-me Manifestar! - exclamava com grande empenho.
Mas a meio do trajecto aéreo (e para quem não conhece o Sr. Bentley informamos que ele voa pelos céus de Lisboa com a ajuda do seu grande amigo, o guarda-chuva voador), a meio do trajecto, dizíamos, deitou um olhinho à Lisboa lá de baixo e decidiu parar.
Aterrou na cabeleira marmórea do Marquês de Pombal.
Eu não sei como raio é que o homem fez aquilo – passes de mágica ou o camandro – mas tirou um megafone sabe-se lá de que recanto, e pôs-se a discursar.

- Compatriotas! - começou, do alto da cabeleira. - Compatriotas, é meu dever estar hoje aqui, exactamente Aqui – e aponta furiosamente para baixo com o indicador – neste mesmo sítio, AquiAquiAqui – faz uma pausa, suspira, e de olhos esbugalhados a fazer mossa num rosto quase todo ele plácido, prossegue – para vos falar sobre os sacrifícios – e à palavra sacrifícios soava como se lhe apertassem os testículos num torno – sobre os Sacrifícios que o povo deve ao conforto dos políticos.
Parou.
- Enganei-me. Perdão, perdão – pigarreou, tornou a agarrar no megafone e prosseguiu – que o Povo deve ao seu País. O seu País amado. Pois não é ele amado? Sim, sim!

[Interrupção ao narrador: estou no Metro, a caminho da Revolução, e enquanto escrevo estas linhas, há um Gato que Mia. Ó, portentoso, portentoso sinal! Continuemos.]

-Tudo se deve ao nosso amado País – gritava, com alma, o senhor Bentley pelo megafone. - Há que dar tudo, TUDO!, à Pátria Querida! Portanto eu proponho – avançou o senhor Bentley, já mais calmo e com um tom de voz que parecia tremendamente sensato – um rim.
Calou-se por instantes.
Lá em baixo, aos pés da estátua, já havia malta dispersa, mais ou menos atenta às palavras “daquele gajo ali no topo, deve ser doido, o homem é maluco. Vou ficar a ouvi-lo.” Alguns ergueram o sobrolho, confusos.
“Um rim...?”

-Um rim – continuou o senhor Bentley, aquela suprema besta. - É sabido que os rins, no mercado negro, valem um balúrdio, um balúrdio! - dizia, empinando-se em bicos de pés e a gesticular com a mão livre de modo enfático, para marcar o discurso. O chapéu-de-chuva pairava por cima dele. - Ora se cada Português vendesse, no mercado negro, um rim (pelo amor de Deus, quem é que precisa de dois!) e o dinheiro da venda fosse entregue a 120%, em sede de IRS, ao Nosso Governo Salvador – a cada palavra em punha-se em pontas, falando com grande teatralidade – a dívida seria paga em semanas. Semanas, meus senhores. Que digo eu, dias, dias! Horas!

Houve um idiota ou outro que achou que aquilo fazia sentido.
Findo o discurso, calou-se o senhor Bentley e lá voou para o Terreiro do Paço, onde se divertiu o resto do dia a pegar em pombos e a jogá-los aos discursantes.



2 comentários:

Ana C. Nunes disse...

O Sr. Bentley continua a ter umas ideias estupendo. acho que devia apresentar está proposta ao Parlamento. :)

Dunyazade disse...

E também concordo, hehe.