domingo, setembro 29, 2002

A novela que fizemos em conjunto, os outros e eu, parafraseando Unamuno.

"A minha novela!, a minha lenda! O Unamuno da minha lenda, da minha novela, aquele que fizemos juntos o meu eu amigo, o meu eu inimigo e os outros, os meus amigos e os meus inimigos, esse Unamuno dá-me vida e morte, cria-me e destrói-me, ampara-me e afoga-me. É a minha agonia. Serei como me crio ou como há quem me crie? E eis como estas linhas se convertem numa confissão frente ao meu eu desconhecido e incognoscível; desconhecido e incognoscível para mim próprio. Eis que faço a lenda em que hei-de sepultar-me. Mas voltemos ao assunto da minha novela.

Porque imaginei, há já alguns meses, fazer uma novela em que quisera pôr a mais íntima experiência do meu desterro, criar-me, eternizar-me a partir da condição de desterrado e de proscrito. E parece-me agora que a melhor maneira de fazer essa novela é contar como ela deve ser feita. É a novela da novela, a criação da criação. Ou Deus de Deus. Deus de Deo.
Teria de inventar primeiro uma personagem central que, naturalmente, seria eu próprio. (...) Chamar-lhe-ia U. Jugo de la Raza.”
Miguel de Unamuno, in Como se faz uma Novela, Grifo (Editores e Livreiros), pág. 63.

(Talvez o que adiante se segue não tenha muito a ver com o que acima transcrevi, mas aturem-me por favor., ok.)

O que importa, na demanda criativa, é o processo e não o resultado, porque é o processo que me mostra a mim próprio(a) o eu. É o processo que me revela. A mim e aos outros. Logo, o resultado não influi, não influencia, não tem nada a ver com essa intimamente pública revelação do eu ao eu e do eu aos outros, exteriores, alheios a mim.

(Nota: isto foi tirado/roubado/plagiado/mastigado e finalmente metamorfoseado da série “Northern Exposure”, cujos episódios vejo agora na reposição da Sic. A história de um médico que é despachado para os confins do Alasca, lembram-se? Bem, voltando atrás, parafraseei a ideia exposta pelo locutor de rádio, Chris. Aquele gajo supergiro, mas isso não interessa nada. Adiante.)

“Quando o leitor chegar ao fim desta dolorosa história, morrerá comigo” (Unamuno, Como se faz uma Novela, pág. 65)
“Mas o pobre Jugo de la Raza não podia viver sem o livro (...); a sua verdadeira realidade estava já definitiva e irrevogavelmente unida à da personagem da novela.” (pág.66)


Então a quem interessa, em última análise, o resultado do processo, i.e., a obra final? Se não ao autor (uma vez que o processo da criação é o fim último, o fim que se busca), a quem? Ao leitor. Pois que a partir dela pode iniciar o seu próprio processo interior, a sua metamorfose íntima. Ou intensificar. Ou finalizar.

A minha liberdade, que intimamente expresso e construo, exprimo e edifico (muito me agradam os sinónimos!), servirá para dar uso à liberdade de outrém. Porra, isto não é melhor do que ser um ditadorzeco de 5ª categoria?!
(Não respondam. É retórica.)

Não sei se consegui expor, de forma clara e com princípio, meio e fim, algumas ideias que andam por aqui a redopiar. Fica a tentativa.
E uma ideia. E se nós (eu e praí mais dois ou três leitores assíduos do blog – e ‘tou a ser optimista) usássemos a personagem que Unamuno inventou - Jugo de la Raza – para construir uma história (ou desenvolver a que Unamuno iniciou nesta obra), uma narrativa...? Nós, em conjunto. Tipo, transmitiam ideias que eu escreveria. E eu depois contaria todo o processo de criação da história. Bom, deixo a proposta...

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