Há quem os pare?
Qu’isto no parir não há ajuda que valhe ou deixe de valer. Salete, parturiente em final de estação, semeou descendência Lisboa abaixo, com a força de um tsunami japonês. Começou a desovar na Avenida da República, antes de conseguir entrar no Metro. Empurraram-na, aos gritos, para um táxi de cor creme e condutor moreno, o bigode russo devido ao tabaco. A mulher tentou refrear-se, mas o puto sai a mil à hora seguido de cinco dezenas de irmãos. O taxista pôs-se a milhas e a mulher seguiu parindo Avenida da Liberdade adiante, os filhos, que num alvoroço de membros, placenta e sangue iam aos atropelos derrubando viaturas, árvores, pessoas, cães vadios, pombos, gaivotas e semáforos.
No Rossio Salete arremeteu a deusa Eileithya, deidade maternal descida do Olimpo cujo frustrado propósito era prestar auxílio à puérpera. A parição extrema foi qual terramoto, derribando Lisboa até atingir o Carmo e a Trindade. Centenas de recém-nascidos submergiram a Brasileira e levaram de enxurrada o poeta Camões.
Na investida apocalíptica um transeunte, espavorido, pôs-se aos berros:
- Pare! Pare! Pare!
- Calem-me este gajo! – guinchou outro, devorado no aluvião de bebézinhos esperneantes, cobertos em placenta e sangue e a chorar como almas perdidas.
Salete, quando cai ao Tejo, aos revoluteios colina abaixo em imortal trabalho de parto, interroga-se como é que o cornudo do marido lhe fez um disparate destes.
Logo o marido.
Não podia ter sido antes o corno do amante?
(Já lá dizia o sábio da minha terra, copofone com as cotas em dia, depois de uma berzundela em cima: “No que toca a parir não há quem nos pare!”)
[Um conto que foi recusado por uma revista. Publico-o aqui.]
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