segunda-feira, janeiro 26, 2004

Viver na assumpção da imortalidade. E a auto-ilusão cai por terra quando vemos um tipo de 24 anos subitamente a morrer. Num momento estamos vivos e no outro podemos desaparecer, assim, de repente. Culpar o destino fulminante? Ou culpar a nossa auto-ilusão? Ou não culpar nada nem ninguém e observar apenas?
Observar como compartimentamos a vida e alimentamos a ilusão da perenidade. Ninguém vive para sempre com 10 anos. Ninguém vive para sempre com 40 anos. Ninguém vive para sempre. A certeza única é a morte. Mas até lá adiamo-la com expectativas e resultados e desejos. E. E. E.
Eu não estou aqui para chegar ali.
Eu estou aqui para viver.
Eu estou aqui e pronto. E chega. É isso.
Basicamente a própria vida é um presente.
Os dons e os talentos são prendas. Não são meios para alcançar fins.
Toda a gente sabe isto, mas a sociedade passa décadas a moldar-nos para agirmos em consonância com as ilusões que ela, desconfio para sobreviver, nos impinge.
Para... ser imortal? Ou viver mais do que um mero ser humano.
Os indivíduos não são eternos, as comunidades são... quase.
Cegueira imposta e auto-imposta. Cegueira que se alastra.
Não estamos habituados à morte. A vê-la tão perto. E em gente tão jovem. Não morram à nossa frente, por favor, dissipam-nos a fantasia. Eu sei que vou viver feliz para sempre logo depois de terminar o curso, arranjar um emprego Bom, casar-me, comprar casa, ter filhos, casá-los bem casados, ter uma boa reforma, e vencer o cancro. Aos 70 anos vou ser tão feliz. Imortal.
O amor é eterno enquanto dura.
A vida (terrena, esta) é eterna enquanto dura.
O segundo que passa - enquanto passa - é perpétuo.
Temos acesso a esta imortalidade enquanto não morremos e antes de comermos erva pela raiz - que imagem tão bonita.
Ser me-lhor. Ser pi-or. Ser.
Sou um ser que é.
Isto para mim faz, abstractamente, sentido. Ou tem um sentido de um novelo de lã enrodilhado. Mas possui-o e, cá dentro, mais que compreendê-lo - intuo-o.
Eu não escrevo para. Eu escrevo. Escrevo.
Mas as cegueiras embaraçam-nos a visão original, primária, primitiva, e quem escreve (e agora falo por mim porque só por mim posso falar) sofre por isto ou aquilo ou aqueloutro. Não há fins, porra; não há meios, chiça. Há acções. Estar na acção é tudo. É a imortalidade.
Enquanto amamos somos imortais; enquanto escrevemos somos imortais; enquanto lavamos a loiça somos imortais; ontem a passar a roupa a ferro fui imortal.

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