quarta-feira, outubro 27, 2004

[Atenção: isto é ficção!]

Projecto Para Deixar de Comer Meninos


Hoje é dia 14 de Setembro e eu confesso-me meninoólico ou, como se diz em inglês, kidoholic, a tentar terminar o vício antes que o vício me termine a mim.
Levanto-me e digo:
- Hoje comi um menino e não vou comer mais! Hoje comi um menino e não vou comer mais! Hoje comi um menino e Não Vou Comer Mais!
Resta-me convencer o sacana do corpo e da mente – to kick the habit.

15 de Setembro

Comi o menino e dois minutos depois comecei logo a espirrar. Interessante conexão. Aparentemente o Governo, composto pelas luminárias mais (in)competentes cá do burgo, resolveu aumentar os impostos sobre o tabaco. Quanto custará um maço de cigarros daqui a uns meses? Cinco euros? Mil marrecos? São espertos, os gajos, vão para o vício que tantos são incapazes de largar. O que me traz aos meninos. Porque não terá ainda nenhuma luminária a brilhante noção de taxar meninos como se taxa o tabaco? São dois vícios que muitas vezes se acompanham, dois hábitos que os consumidores não conseguem abandonar. Logo, é bater neles enquanto se pode! Qualquer dia comer meninos será taxado tal como o tabaco e provocará a desaprovação geral, atitude politicamente correcta de que hoje o tabaco é vítima. A verdade é que tudo isto faz-me rir à gargalhada. O consumo de meninos é um veneno para o corpo e para a mente. Não consigo nem imaginar a dificuldade de deixar o tabaco quando eu nem sou capaz de me abster de comer meninos. Hoje já comi um, o segundo menino completo de acordo com o meu plano de vinte e oito dias. Amanhã será a vez do terceiro menino que poderei consumir do princípio ao fim. Aquele maravilhoso veneno que me fode o corpo e a vontade. Depois começo a cortar: meio menino durante uns dias; algumas trincadelas miúdas a seguir até que virá a altura em que abandono o vício por fim. Mas os poucos testemunhos que li na Net referem a imensa dificuldade em largar o hábito, passaram meses para fazê-lo. Meses. O meu plano tem cerca de um mês. Conseguirei? Ai Deus, quero tanto. Tenho de agir na assumpção de sim, de que consigo.


Ando a sentir-me muito “edgy” (incapaz de parar, com grande energia e não saber onde gastá-la, mas uma energia espiritual e menos física) o dia todo. Veremos como será amanhã.


16 de Setembro


Um menino comido hoje. São 18h33 e não fui ainda assolapado com vontade de comer nenhum outro. Ontem dormi, ai, tão bem... Hoje foi, de acordo com o meu plano, o último menino inteiro que comi. A partir de amanhã como metade do menino e após quatro dias apenas uma trincadela ou duas. Esse é, de resto, o plano. É melhor chamar a isto projecto porque um projecto tem uma conotação no definitivo e ao mesmo tempo pensa-se em fases. Plano parece descrever algo que à partida tem mais hipóteses de falhar. Não se diz working plan, mas working process. Projecto é mais um processo. Tal como a guerra em que se podem ganhar as batalhas todas e mesmo assim dar a vitória ao inimigo. Se eu falhar agora sei que posso continuar e – falhar noutra altura, mas falhar mais perto do objectivo. Falhar até que a vitória me pertença. É um processo. Leva tempo. Largarei o filhodaputa do vício.
Nota: beber muita água ajuda. A água limpa as toxinas do corpo, controla a fome e parece controlar-me a ânsia de trincar outro pedacito do adorável veneno.
Há que fazer uso de todos os truques para primeiro controlar o corpo e depois reeducá-lo. O corpo e a mente.
Hábitos. Vícios. Li algures que o cérebro, se repetirmos uma coisa muitas vezes, traça percursos neuronais (não sei se é a expressão correcta). Tipo: forma atalhos. Dar cabo do vício é dar cabo desses atalhos, deixando de os usar, como uma estrada abandonada que em pouco tempo (quem dera!) é invadida por ervas e folhagens; e construir novas vias. E usá-las – para não cairmos na tentação de usar a estrada antiga nem deixar que a nova deixe de existir por falta de uso. Na infância aprender novas funções (como tocar trompete) é mais fácil porque o cérebro é maleável; em mais velhos o mesmo não se passa e demora-se mais tempo a aprender a tocar um instrumento musical. Porém, é possível. Muita gente o faz. É bom para o cérebro que precisa do exercício.

17 de Setembro

Comi meio menino. Ontem dormi tão bem! Mesmo comendo um menino por dia afasto os sintomas da insónia.

18 Setembro

Meio menino. E um chocolate inteiro. O chocolate também é um veneno, mas porra, do chocolate não abdico.

19 de Setembro

Meio menino. Bom, sou capaz de ter ultrapassado a quota hoje. Amanhã é o último dia do meio menino. Depois serão cinco dias a consumir pedacinhos miúdos. Duas, três trincadelas. Se tanto. Pensei em intercalar esses dias, o que na prática dará dez dias: um dia como, outro não; e depois repito. Ficará, talvez, mais fácil de abandonar por completo o vício.


20 de Setembro

Meio menino.


21 de Setembro

Quatro trincadelas. Comecei também a comer meninas à noite e agora passa da uma da manhã e eu não consigo dormir! As meninas são um veneno, mas, descobri, possuem-no em quantidades inferiores ao dos meninos e o consumo regular de meninas tem vantagens comprovadas para a saúde. Mas, penso, há que comê-las durante o dia.
Amanhã: dentista! Ó, ocasião festiva!
Not.


24 de Setembro

Quatro trincadelas, tal como ontem. Aumentei o meu consumo de meninas.

25 de Setembro

Meio menino.

26 de Setembro

Devido a uma dívida de cinco cêntimos decidi que hoje seria (e não ontem) o último dia em que como meninos. Afinal não havia dívida nenhuma. Não faz mal. Foram quatro dentadas bem dadas. Não prevejo abandonar o consumo de meninas.


26 de Outubro

Livre! Livre finalmente do vício! Há um mês deixei definitivamente de comer meninos. Estou tão orgulhoso de mim. E comer meninas fez de mim um homem infinitamente mais saudável.