domingo, abril 29, 2012

AVENTURAS NA SEGURANÇA SOCIAL DO AREEIRO





19 de Abril de 2012

Ok, vamos ver quantas palavras escrevo até ser atendida. Isto, partindo do princípio que sou. Estou na Segurança Social do Areeiro, por acaso pertíssimo de um local onde já trabalhei. Estou aqui para requisitar o subsídio da segurança social a que talvez tenha direito. Isto eu só acredito quando as coisas estão feitas (and the check clears). Promessas e tal não me levam a lado nenhum. A propósito (ou fora dele), sabiam que um bilhete de ida e volta de Metro é agora 2,50€?! Mas que porra é esta? A sério, que merda é esta? É verdade, sim, isto enfurece-me. A bicha é longa. É a rua inteira, a partir do edifício da Segurança Social, e dobrou a esquina.
Eu fiquei na esquina e cheguei cá (pensando que era cedo) vinte minutos antes do local abrir à clientela. Entretanto a bicha já foi andando, mas não muito. A senhora à minha frente (a quem educadamente coloquei algumas questões) - e lá anda a fila de novo - disse que sim, as senhas podem acabar. Podemos estar já quase a entrar e, pronto, acabaram as senhas. (Ena qu’esta merda anda. Parou. E anda de novo! Nem sei as horas.) São 9h04.
Esta, na minha opinião, não é maneira de tratar um povo no seu país (ou em qualquer país). Faz frio e o céu tem nuvens escuras. Parece um dia de Inverno e estamos a meio de Abril. Dá a impressão que o céu chora por nós, Portugal e Portugueses, e está tão deprimido e triste como nós. Dói-me as costas. Não posso estar de pé muito tempo, começa a doer-me as costas.
Podia, quiçá, aproveitar estes belos momentos, forçadamente contemplativos, para aplicar a Semiótica que ando a estudar no meu curso da Universidade Aberta. Na fila há pessoas que falam e outras caladas. Eu sou das caladas. E escrevo. (Está frio e o reboque da polícia anda à caça.) Ah - ainda estou cá fora, na rua.
Regresse-se, por Jesus Bendito, à Semiótica. Ora bem. Apesar de não falarmos, podemos comunicar de outra maneira: pela comunicação não verbal (CNV). Esta (e a polícia já caçou um...) tem várias vertentes, ou, digamos, vários ramos de estudo. Um dos quais é a Proxémica (a maneira como nos movemos e posicionamos no espaço). Outra maneira de a definir: o estudo das distâncias que as pessoas mantêm entre si. Há uma distância pública e privada - e ambas podem mudar consoante os países e as culturas. Na fila reparo que, quanto mais para o início da mesma nos aproximamos (i. e., o nosso objectivo - que neste caso é entrar no edifício e depois ser atendido), menor é a distância que os indivíduos mantêm entre si. Quem me dera poder medir isto. Não tenho fita métrica, terá de ser a olhómetro. Julgo que para o fim da fila a distância deve rondar menos de um metro (à volta de oitenta centímetros) e agora deve ser cerca de sessenta centímetros - mas não tenho a certeza. (Reitere-se que não é uma medição científica.)
A bicha caminha. Já ‘tou quase nas escadas. Olarilas. Cá atrás há dois senhores que falam sobre terras, batatas e esparguete. Meteram conversa um com o outro e pronto. A maioria da malta na bicha está triste, resignada ao seu destino de ser tratada como gado que lenta, mas inexoravelmente, é dirigido ao matadouro. (E há um gajo que se meteu à frente e entrou. Olha o cabrão.)
As horas?
(Entrei no edifício!)
9h18.
Cerca de meia-hora a escrever. E cerca de quarenta minutos até entrar no prédio.
Leio que a tolerância é de três senhas. ‘Tá bem.
A conversa atrás de mim:
- Havia muitas formas de saber se se ia negociar ou não: se se levava o capote ao ombro, se levava o chapéu de lado... aquilo era um espectáculo!
(Mais semiótica!)
(Adenda a despropósito: eu tenho de aprender estenografia, que ao ritmo actual perco metade das conversas.)
O outro fala de água:
- Lá na minha zona mata-se por causa da água. É ouro aquilo, é ouro.
São os únicos senhores (com cerca de cinquenta e sessenta anos) a conversar. O resto ‘tá mudo.
- Por causa de uma levada...
Qu’é isto?!?
Somos autêntico gado na linha de processamento! De desmontagem! De desmembramento da nossa humanidade e dignidade.
Dói-me as costas, porra. Devia ter trazido uma cadeirinha desmontável. Mas depois havia de haver alguma velhinha, ‘tadinha, doentinha, “precisada”, e alguém haveria de falar por ela, ó menina, faz favor, pode emprestar a cadeira a esta senhora que, coitada, é DOENTE?
Puta da velha.
Nunca hei-de trazer cadeira. Nem banquinho. Nem o raio que o parta.
Meu deus, aqui há Triagem. Como nos hospitais.
- Olá, eu tenho lepra e venho pedir o subsídio de desemprego.
De repente em coro saúdam-me:
- OLÁÁÁÁ!
Creepy.
Agora os senhores falam de uma terra com o nome de Cabrão. Olha se eu morasse lá e o senhor da triagem me perguntasse:
- Morada?
E eu, logo:
- Cabrão.
Ahahaha. Ai que era giro.
(Lá em baixo já diviso o purgatório.)
Analisando-se isto do ponto de vista semiótico (responder “Cabrão” ao hipotético senhor da Triagem), poderia afirmar-se que não tinha eu violado a Máxima da Quantidade de Grice, uma vez que fornecia a informação pretendida e não mais que isso; também não violaria a Máxima da Qualidade, uma vez que não teria mentido. Teria sido relevante e breve, portanto não teria igualmente infringido a Máxima da Relevância (estar dentro do contexto) nem a do Modo (ser directa, objectiva e não ambígua). No entanto teria provavelmente passado duas mensagens (em vez de uma) ao meu interlocutor, e uma das quais tem nela implícita um insulto.
Elaborando. A primeira mensagem responde à pergunta:
- Cabrão - é o nome da vila.
E a segunda mensagem diz:
- Cabrão. Sacana. Filho da mãe - que é uma ofensa.
Estamos efectivamente a ser tratados como gado
E julgo que é propositado de maneira a evitarmos raciocínios. Que podem ser Reaccionários.
Mas... evitam-se inquietações?, pergunto. E evita-se, com esta fila labiríntica, o stress?
Já tenho senha.
A-53.
O quadro mostra que vai já na senha 12.
São 9h35.
Sentei-me. Ai as costas.
Quarenta à minha frente.
(Total: quatro folhas do meu bloquinho tamanho A6. Cerca de 1050 palavras.)

***

10h39. Trinta gajos à minha frente. Vai na senha 23. À pouco andou para trás: da senha 20 para a 18.
‘Tá bem.
Montes de gente. ‘Tá calor. Malta saturada de esperar. Se calhar devia ter vindo para aqui cedo. Tipo, às sete da manhã. Ena, duas horas à seca na bicha. Ou lá fora ou cá dentro, esperar espera-se sempre. Já não sei o que é preferível. Fui lá fora à pouquinho. Reparei num cartaz de um partido ou sindicato em que se apelava à Morte tanto da tróica como do Governo. Isto não é bom.
Há malta com prioridade (whatever the fuck that means): grávidas, diabéticos e PessoasQueLevamMuletas. Epá, eu tenho canadianas em casa em casa! Nop - não tinha lata.
Voltando ao cartaz da Morte.
Isto das palavras às acções às vezes vai um passo - não me agrada aquilo. Não gosto de ditaduras, nem de esquerda nem de direita. É tudo igual. E se começo a ver mais cartazes como aquele de Apelações Directas à Morte... bom, começo seriamente a preocupar-me.
(Vamos lá a ver o número em que vai: 23! Ainda!)
São 10h47.

***

12h01. Senha 34. Estão 19 à minha frente.
Dói-me as costas.

***

Senha 43: 13h00. (Estou cá há mais de quatro horas. Faltam 9 senhas.)

Se continuam a ser dez senhas por hora devo ser atendida às 14h00.

13h30: senha 47.
Estou aqui quase há cinco horas.
Em quatro horas e meia andou 47 senhas!

***
Fui atendida depois. Levei dez minutos a tratar do meu assunto. Saí da Segurança Social eram 14h00.

Mãezinha.

/Dunya

(Cerca de 1320 palavras.)




































2 comentários:

José Bernardes disse...

Sem a situação ter piada... achei piada :-) à escrita.
Só tem uma gralhita no final...
"Estou aqui quase à cinco horas".
Vou divulgar os seus livros no KindlePortugal :-) em breve.
Boa sorte
Cumprimentos
JCBernardes

Dunyazade disse...

Ui, tem razão! Corrigido!

Obrigada pela divulgação! :D