Era um Homem
Era uma vez um homem. Um homem, um homem. Era uma vez. Ó. Era, era. Era uma vez um homem que escrevia nas entrelinhas dos requerimentos. Nas entrelinhas das exclamativas interjeições da cônjuge. “Oh!”, vozeava ela. Era uma vez um homem que escrevia nos hiatos do quotidiano, da lufa-lufa corriqueira e aborrecida e previsível. Vou submeter-me, decidiu-se. Vou submeter-me à existência que se quer. À consorte; aos sogros; aos filhos (1.4, segundo as estatísticas); aos animaizinhos de estimação, bichaninha-bichaninha, fiu-fiu, odeio-os, dão-me alergias. (E a sogra também, mas divago.)
Vou beber a vida!, prometeu-se, Por um barril de cerveja! Em vez de andar por aí escondido nos recantos, nas esquinas de má fama, a escrever a horas mortas, a dissipar-me, a corromper-me na escrita.
Era uma vez um homem que jurou submeter-se à vida. E ser decente. E ser honesto. Trabalhador. E amochar os cornos diante do patrão. E mourejar as horas extraordinárias que o filhodaputa não lhe paga. Ah!, a vida está má! Sabe, a empresa! Tem de ser! Olhe, o risco da falência, há que mantê-lo ao largo! É a vida! E amochou, amochou, amochou...
Morreu terrivelmente encolhido. Quando os gajos da Funerária lhe vieram tomar as medidas ao cadáver, ele media um metro e setenta e cinco. Mas, quando por fim o enfiaram na urna, não é que o corpo encolhera uns vergonhosos vinte centímetros?! Isto há coisas, eish... há com cada uma. Um homem submete-se e encolhe antes de entrar no caixão! A modos que me parece mal... (opina o empregado funerário). A modos, a mim, a modos que me parece mal. É malfeito.
[Não consegui manter-me afastada até ao fim de Agosto...]
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