terça-feira, março 23, 2004

[Poema vergonhosamente gamado a este senhor, que deve andar, coitado, à procura dele. Até o vejo: "Mas estava aqui! Juro que o pus no bolso do casaco! Será que o perdi? Ai a minha vida, ai a minha vida...!" Ok, não teve graça, mas riam à mesma.]


Poema Pouco Original do Medo

O Medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no múrmutio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
Ouvidos nos teus ouvidos

O Medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos) intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente

muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O Medo vai ter tudo
que se tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos

Alexandre O'Neill

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