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A Irene ouve-me distraída.
- Estranha coisa - digo. - Se O Bosque Harmonioso datar do século XVI, consideramo-lo uma obra-prima. Escrito posteriormente, não. Que mistério este que faz com que a mesma obra possa ser ou não ser! Se se descobrisse que o Partenon, aquele mesmo Partenon, fora construído ontem, deixaria de ser o que é, deixaria de nos emocionar como nos emociona quando o sabemos construído no tempo de Fídeas? Se amanhã descobrirmos que os concertos de Vivaldi são uma invenção dos fabricantes de discos, Vivaldi acabou? Preciso de conhecer a data do Bosque para saber se devo ou não emocionar-me?
Ela diz:
- Vou deixar-te.
- Por causa do outro?
Tira a boquilha da carteira, dei-lha eu há dois meses, tira um cigarro, cuidadosamente encaixa o cigarro na boquilha.
- O outro desapareceu, ignoro onde está, vou esperar por ele.
- Deixou-te? Fugiu-te?
- Sim.
- Porque me deixas, se ele te deixou? Fica comigo, Irene, não posso viver sem ti. - Ela não responde. - Queres ouvir uma história de Cristovão Borralho? Não uma história profética, uma história de crítica social, avançada para época? Quase Swift?"
in O Bosque Harmonioso, de Augusto Abelaira (Editora: O Jornal.)
Sou má. Deixo-vos com dois mistérios: o mistério do outro e o mistério da tal história. E agora, como deslindar ambos? Suponho que este livro há muito não é editado. O único remédio é irem à Biblioteca da vossa zona. Ou a alfarrabistas, quiçá.
[Update: sacana do Google, a desmentir-me. Vejam isto.]