domingo, agosto 13, 2006

A Oliveira

(Texto escrito para o desafio Encontro.)
 

Joana encontrou-se com o Eu de criança, o eu antigo. Um encontro estranho. Quando escreveu a carta e a emparedou na parede da casa, carta a um futuro e distante viajante do tempo, a marcar um encontro futuro; quando a escreveu, dizíamos, não estava à espera que o viajante do futuro fosse ela própria no passado.

“Debaixo da oliveira. As oliveiras duram séculos. Talvez exista ainda no teu tempo, se o resto da paisagem mudar. Debaixo da oliveira às três da tarde, do dia sete de Agosto de dois mil e...”

- Tu? – disse Joana. – Mas... não percebo.

A miúda olhou para ela e trepou à árvore.

- Desce daí. Ainda te magoas.

A miúda ignorou-a.

- Desce! Ai...

Lembrou-se que tinha uma pastilha de morango no bolso.

- Se desceres dou-te uma pastilha.

Joana-miúda olhou-a desconfiada, mas desceu e aceitou a oferta.

- Olha lá, como vieste cá parar? – pergunta Joana-adulta agachando-se. A miúda encolheu os ombros.

- Não és muito faladora.

Ela voltou a encolher os ombros, menos apreensiva, já à vontade com a estranha.

- Não encontraste nenhuma carta?

Ela abanou a cabeça.

- Nada? Tens certeza?

Ela indicou que sim, tinha.

Joana adulta emudeceu. Ficou parada a observar o eu antigo, o eu criança que trepava às árvores e comia doces. Depois a catraia voltou a subir a oliveira e desapareceu.

Joana regressou a casa, escavacou a parede e queimou a carta. No seu lugar pôs um embrulho cheio de pastilhas e doces – hermeticamente fechado.

 

 
 

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