terça-feira, junho 17, 2008

Até Amanhã

- Tenho uma grande incapacidade.
- Tens?
- Tenho. A incapacidade de ser generoso. Escondo o coração nas mãos a sangrar.
- Ah... hum?
- A sangrar. Porque no peito rebenta-me os pontos. Não há dinheiro para pacemakers.
- Eu gosto de ouvir ruído. De ir à cidade e ouvir barulho. As pessoas não gostam de estar sozinhas consigo mesmas. Dói-lhes a alma.
- A mim os pontos rebentaram.
- Da alma também?
- Da operação que fiz ao apêndice.
- Não acredito em operações.
- Eu não acredito em médicos, nem nos espanhóis. Têm um som cálido, de gozo, na língua. É uma voz de verdades.
- Não sei no que crer. Acreditar é tão difícil. Os acontecimentos não deixam. Conheci uma russa que é cozinheira e ganha cento e dez contos por mês. A renda é de setenta. Leva duas horas para o trabalho e outro igual no regresso a casa.
- Arrendada.
- Sim, isso.
- Eu acredito na vida e no amor.
- Eu também.
- Ambos sabemos que é mentira.
- Sim, tens razão. A mentira é confortável. Hoje fui aos Bombeiros. Ver os carros.
- No vinte e cinco de Abril fazem procissãos nas ruas.
- Viva a Liberdade!
- Viva...
- Mais entusiasmo, caneco.
- Humm. Viva. Viva, viva. Viva.
- Viverei. Camarada: viverei eternamente na sombra da vida.
- Isto já são horas.
- Ora então até amanhã.
- Até amanhã.
- Afinal não jogámos às cartas.

(Texto feito a 17.05.08. Na altura escrevi: Torno a escrever, se bem que pouco. Influência de Marte em trânsito em trígono com Neptuno natal - que rege a casa cinco - da criatividade -? Neptuno em trânsito na casa 3 - escrita -; Marte na 9 em trânsito, Marte natal na casa 6.)

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