quarta-feira, setembro 28, 2005
segunda-feira, setembro 26, 2005
«O regresso, em grego, diz-se nostos. Algos significa sofrimento. A nostalgia é portanto o sofrimento causado pelo desejo insatisfeito de regressar. Para esta noção fundamental, a maior parte dos europeus podem utilizar uma palavra de origem grega (nostalgia, nostalgia) e além disso outras palavras com raízes na sua língua nacional: anoranza, dizem os espanhóis; saudade, dizem os portugueses. Em cada língua, estas palavras possuem um matiz semântico diferente. Muitas vezes significam apenas a tristeza causada pela impossibilidade de regresso ao país. Recordação dolorosa do país. Recordação dolorosa do lugar. O que, em inglês, se diz: homesickness. Ou em alemão: Heimweh. Em holandês: heimwee. Mas trata-se de uma redução espacial da grande noção. Uma das mais antigas línguas europeias, o islandês, distingue bem dois termos: söknudur: nostalgia no seu sentido geral; e heimfra: recordação dolorosa do país. Os checos, a par da palavra nostalgie vinda do grego, têm para a noção o seu próprio substantivo, stesk, e o seu próprio verbo; a mais comovente expressão de amor checa: styska se mi po tobe: tenho nostalgia de ti; não posso suportar a dor da tua ausência. Em espanhol, anoranza vem do verbo anorar (ter nostalgia), que vem do catalão enyorar, derivado, por seu turno, da palavra latina ignorare (ignorar). A esta luz etimológica, a nostalgia aparece como o sofrimento da ignorância. Tu estás longe, e eu não sei o que te acontece. O meu país está longe, e não sei o que lá se passa.»
Milan Kundera, A Ignorância.
Fonte: Chá de Menta.
Milan Kundera, A Ignorância.
Fonte: Chá de Menta.
domingo, setembro 25, 2005
Estava a pensar participar no nanowrimo este ano. Mas vou ter de fazer isto de maneira diferente: sem expectativas de nenhum tipo, nem sequer as de escrever um livro com princípio, meio e fio, uma história com um fio narrativo. Escrever apenas e mais nada, seja o que for, o que me vier à cabeça - à mão. Free writing style. E depois provavelmente esconder o livro, algures, no sotão. Voltar a ele na velhice, rir-me das parvoíces da "juventude" and quietly die.
É a única maneira, este ano, de poder participar. E porquê? Porque estou já ocupada com Outro livro e não tenho espaço mental para me ocupar de duas histórias diferentes. Logo, uma delas tem de ter menos importância. Mais do que isso: tem de ter uma importância absolutamente nula.
Começa em Novembro. Ainda tenho um mês para pensar - desde que não pense na história. Aliás, não vou fazer planos de nenhum tipo. É chegar a 1 de Novembro, sentar-me e começar a escrever. Tenho é de ponderar se participo ou não. Logo se vê.
É a única maneira, este ano, de poder participar. E porquê? Porque estou já ocupada com Outro livro e não tenho espaço mental para me ocupar de duas histórias diferentes. Logo, uma delas tem de ter menos importância. Mais do que isso: tem de ter uma importância absolutamente nula.
Começa em Novembro. Ainda tenho um mês para pensar - desde que não pense na história. Aliás, não vou fazer planos de nenhum tipo. É chegar a 1 de Novembro, sentar-me e começar a escrever. Tenho é de ponderar se participo ou não. Logo se vê.
sábado, setembro 24, 2005
quinta-feira, setembro 22, 2005
Maria Mateu, daqui vou desertar.
De cona não achar o mal me vem.
Aquela que a tem não ma quer dar
e alguém que ma daria não a tem.
Maria Mateu, Maria Mateu,
tão desejosa sois de cona como eu!
Quantas conas foi Deus desperdiçar
quando aqui abundou quem as não quer!
E a outros, fê-las muito desejar:
a mim e a ti, ainda que mulher.
Maria Mateu, Maria Mateu,
tão desejosa sois de cona como eu!
Afonso Eanes de Coton (século XIII)
Fonte: No Arame.
De cona não achar o mal me vem.
Aquela que a tem não ma quer dar
e alguém que ma daria não a tem.
Maria Mateu, Maria Mateu,
tão desejosa sois de cona como eu!
Quantas conas foi Deus desperdiçar
quando aqui abundou quem as não quer!
E a outros, fê-las muito desejar:
a mim e a ti, ainda que mulher.
Maria Mateu, Maria Mateu,
tão desejosa sois de cona como eu!
Afonso Eanes de Coton (século XIII)
Fonte: No Arame.
Caríssimo visitante norueguês e/ou da Noruega: apresente-se. Deixe um comentário. Diga olá, vá lá. Eu não mordo. Diga como está o tempo por aí. Aqui não chove nada, deixe-me informá-lo.
Domain Name ntnu.no ? (Norway)
IP Address 129.241.104.# (Norwegian University of Science and Technology, No)
ISP Norwegian University of Science and Technology, No
Location Continent : Europe
Country : Norway (Facts)
State/Region : Sor-Trondelag
City : Trondheim
Lat/Long : 63.4167, 10.4167 (Map)
Language unknown
Operating System Microsoft WinXP
Browser Internet Explorer 6.0
Mozilla/4.0 (compatible; MSIE 6.0; Windows NT 5.1; SV1)
Javascript disabled
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Last Page View Sep 22 2005 1:10:11 pm
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Considerações sobre Katrina e não só
Os pobres não significam nada porque não têm uma voz activa. Não a têm por tantas razões: falta de educação (não há dinheiro para pagá-la), logo, falta de conhecimentos sobre os seus inalienáveis direitos, não sabem que os têm, apesar de não terem dinheiro, e que possuem também a indiscutível prerrogativa de exigirem o cumprimento dos seus direitos; a perspectiva de quem é pobre é menor do que quem não o é, as suas fronteiras acabam onde os olhos poisam, não há nada para além disso. A falta de dinheiro é madre do desespero (neste tempo em que parece que só se é plenamente humano se houver fundos para isso). A falta de respeito nos olhos dos outros porque se é pobre causa grande angústia, expressa de tantas maneiras.
Os filhos da mãe dos políticos sabem isto. Sabem que a chave é a educação, o que implica capital. Valente. Escolhem não gastá-lo. Porque se metade, ou mais, da população não possui voz activa pois não foi educada para a ter, o governo de um país fica “facilitado”, os cidadãos são menos “exigentes”. Aliás, metade dos cidadãos nem vota. Metade da população que não fala, não exige, que nada diz. População que é invisível, que não vale nada, não conta: porque haveríamos nós de nos importar com eles?
Este comportamento é cal-cu-la-do. E as consequências do mesmo devem ficar com quem o calcula.
Não é uma questão de cor de pele, mas uma questão da cor do dinheiro. (Embora eu concorde que os preconceitos da sociedade limitam o acesso à riqueza.) Não importa se se é branco, negro ou roxo: importam as verdinhas. Tu tens as verdinhas? Óptimo, então tens direitos.
Aos necessitados é-lhes dito, de tanto modos, que não valem nada, que a sua voz nada significa.
Mas é mentira.
E eu começo a desconfiar que eles começam a saber disso – que é mentira. Que têm direitos, importância, que a sua voz deve e tem de ser ouvida.
Com o Katrina, lá, como noutros pontos do globo, acho que começaram a perceber as consequências de se calarem, de não exigirem, de não lutarem. E que é do seu interesse, a longo prazo, começarem verdadeiramente a exigir os seus direitos. A falar. A protestar. A unirem-se.
Para isso o paradigma actual (só quem tem numerário tem valor) tem de ser modificado. Desconfio que já começou a mudar. Não ficámos todos parvos ao ver a forma como um país rico trata os seus cidadãos pobres? Não achámos isso errado? Não pensámos, em conjunto, nos pobres do nosso país? No nosso governo? No que nos aconteceria se de repente perdêssemos tudo? E não tivemos uma empatia Maior pelos menos afortunados? A voz dos pobres tem de unir-se à voz que já é activa. Sim, meus lindos, Estado Social, mas não apenas. Este nosso país anda a lixar quem não tem cacau. Qualquer dia seremos todos pobres, dominados por uma pequena oligarquia.
South Africa, anyone?
E também aí só importará a cor: tens as verdinhas? Então és um senhor, um lorde. Eu respeito-te. Se não, não vales nada, nunca valerás.
E nós? Caladinhos. Pobres e remediados. Classe-média calada. Toda a malta calada. Enquanto nos fodem. Meus kidos: a nossa voz, unida, é mais poderosa do que o peso do mundo.
E seria tão giro, no futuro, ver a profissão de político barrada a quem não expressasse a mais alta ética humana – em actos.
Eu acho que sim. Era fixe.
Os pobres não significam nada porque não têm uma voz activa. Não a têm por tantas razões: falta de educação (não há dinheiro para pagá-la), logo, falta de conhecimentos sobre os seus inalienáveis direitos, não sabem que os têm, apesar de não terem dinheiro, e que possuem também a indiscutível prerrogativa de exigirem o cumprimento dos seus direitos; a perspectiva de quem é pobre é menor do que quem não o é, as suas fronteiras acabam onde os olhos poisam, não há nada para além disso. A falta de dinheiro é madre do desespero (neste tempo em que parece que só se é plenamente humano se houver fundos para isso). A falta de respeito nos olhos dos outros porque se é pobre causa grande angústia, expressa de tantas maneiras.
Os filhos da mãe dos políticos sabem isto. Sabem que a chave é a educação, o que implica capital. Valente. Escolhem não gastá-lo. Porque se metade, ou mais, da população não possui voz activa pois não foi educada para a ter, o governo de um país fica “facilitado”, os cidadãos são menos “exigentes”. Aliás, metade dos cidadãos nem vota. Metade da população que não fala, não exige, que nada diz. População que é invisível, que não vale nada, não conta: porque haveríamos nós de nos importar com eles?
Este comportamento é cal-cu-la-do. E as consequências do mesmo devem ficar com quem o calcula.
Não é uma questão de cor de pele, mas uma questão da cor do dinheiro. (Embora eu concorde que os preconceitos da sociedade limitam o acesso à riqueza.) Não importa se se é branco, negro ou roxo: importam as verdinhas. Tu tens as verdinhas? Óptimo, então tens direitos.
Aos necessitados é-lhes dito, de tanto modos, que não valem nada, que a sua voz nada significa.
Mas é mentira.
E eu começo a desconfiar que eles começam a saber disso – que é mentira. Que têm direitos, importância, que a sua voz deve e tem de ser ouvida.
Com o Katrina, lá, como noutros pontos do globo, acho que começaram a perceber as consequências de se calarem, de não exigirem, de não lutarem. E que é do seu interesse, a longo prazo, começarem verdadeiramente a exigir os seus direitos. A falar. A protestar. A unirem-se.
Para isso o paradigma actual (só quem tem numerário tem valor) tem de ser modificado. Desconfio que já começou a mudar. Não ficámos todos parvos ao ver a forma como um país rico trata os seus cidadãos pobres? Não achámos isso errado? Não pensámos, em conjunto, nos pobres do nosso país? No nosso governo? No que nos aconteceria se de repente perdêssemos tudo? E não tivemos uma empatia Maior pelos menos afortunados? A voz dos pobres tem de unir-se à voz que já é activa. Sim, meus lindos, Estado Social, mas não apenas. Este nosso país anda a lixar quem não tem cacau. Qualquer dia seremos todos pobres, dominados por uma pequena oligarquia.
South Africa, anyone?
E também aí só importará a cor: tens as verdinhas? Então és um senhor, um lorde. Eu respeito-te. Se não, não vales nada, nunca valerás.
E nós? Caladinhos. Pobres e remediados. Classe-média calada. Toda a malta calada. Enquanto nos fodem. Meus kidos: a nossa voz, unida, é mais poderosa do que o peso do mundo.
E seria tão giro, no futuro, ver a profissão de político barrada a quem não expressasse a mais alta ética humana – em actos.
Eu acho que sim. Era fixe.
segunda-feira, setembro 19, 2005
Não acredito! O meu livro ainda pode ser encontrado à venda!
À Procura de um Livro.
Mas porque raio é que eu estou a fazer pub se não vou receber nem um cêntimo de direitos... (porque o desgraçado do editor nunca me pagou)?
À Procura de um Livro.
Mas porque raio é que eu estou a fazer pub se não vou receber nem um cêntimo de direitos... (porque o desgraçado do editor nunca me pagou)?
sábado, setembro 17, 2005
Este poema exemplifica o Inverso daquilo que eu sinto hoje :)
[Tenho de passar mais vezes pelo #poesia.]
Reservado ao Veneno
Hoje é um dia reservado ao veneno
e às pequeninas coisas
teias de aranha filigranas de cólera
restos de pulmão onde corre o marfim
é um dia perfeitamente para cães
alguém deu à manivela para nascer o sol
circular o mau hálito esta cinza nos olhos
alguém que não percebia nada de comércio
lançou no mercado esta ferrugem
hoje não é a mesma coisa
que um búzio para ouvir o coração
não é um dia no seu eixo
não é para pessoas
é um dia ao nível do verniz e dos punhais
e esta noite
uma cratera para boémios
não é uma pátria
não é esta noite que é uma pátria
é um dia a mais ou a menos na alma
como chumbo derretido na garganta
um peixe nos ouvidos
uma zona de lava
hoje é um dia de túneis e alçapões de luxo
com sirenes ao crepúsculo
a trezentos anos do amor a trezentos da morte
a outro dia como este do asfalto e do sangue
hoje não é um dia para fazer a barba
não é um dia para homens
não é para palavras
António José Forte
Hoje fui a uma exposição de gravuras, à Galeria Diferença ali ao Rato. Gostei muito.
E mais outro poema, porque este é tão bonito (e eu devia estar a fazer o jantar e a escrever e a pensar em arranjar novo emprego, mas não quero, sobretudo a última coisa).
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doce amargura dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.
Sophia de Mello B. Andresen
[Tenho de passar mais vezes pelo #poesia.]
Reservado ao Veneno
Hoje é um dia reservado ao veneno
e às pequeninas coisas
teias de aranha filigranas de cólera
restos de pulmão onde corre o marfim
é um dia perfeitamente para cães
alguém deu à manivela para nascer o sol
circular o mau hálito esta cinza nos olhos
alguém que não percebia nada de comércio
lançou no mercado esta ferrugem
hoje não é a mesma coisa
que um búzio para ouvir o coração
não é um dia no seu eixo
não é para pessoas
é um dia ao nível do verniz e dos punhais
e esta noite
uma cratera para boémios
não é uma pátria
não é esta noite que é uma pátria
é um dia a mais ou a menos na alma
como chumbo derretido na garganta
um peixe nos ouvidos
uma zona de lava
hoje é um dia de túneis e alçapões de luxo
com sirenes ao crepúsculo
a trezentos anos do amor a trezentos da morte
a outro dia como este do asfalto e do sangue
hoje não é um dia para fazer a barba
não é um dia para homens
não é para palavras
António José Forte
Hoje fui a uma exposição de gravuras, à Galeria Diferença ali ao Rato. Gostei muito.
E mais outro poema, porque este é tão bonito (e eu devia estar a fazer o jantar e a escrever e a pensar em arranjar novo emprego, mas não quero, sobretudo a última coisa).
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doce amargura dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.
Sophia de Mello B. Andresen
sexta-feira, setembro 16, 2005
segunda-feira, setembro 12, 2005
sexta-feira, setembro 09, 2005
SPY
Faço a minha ronda habitual. Binóculos poderosos. Vidros fumados e muito tempo livre depois da reforma. Observo a passarada humana. Têm penas, como as aves. Penas e cuidados. O miúdo do 1º andar, loiro, não pára quieto. Os pais admoestam-no em russo ou ucraniano, nem sei. Põe-se em frente à máquina de jogos e consegue estar no mesmo sítio duas horas seguidas. Os pais estão sentados na cozinha, ao fundo, a mãe com a mão preocupada a amparar o rosto enquanto vê a conta do telefone. O pai faz torradas. Tem a barba por fazer e um ar cansado. Na casa ao lado a Adriana mira-se ao espelho trezentas vezes antes de sair, compondo e descompondo o cachecol, o chapéu, o cabelo e a maquilhagem, exibindo o corpo magrinho no espelho do corredor. Às vezes olha para a barriga e faz um trejeito crítico com os lábios e o nariz. Depois arranca para a porta da saída. Está na rua em menos de dez segundos. O namorado espera-a. Tão subserviente. Apanho a irmã mais velha a olhar o quadro e adivinho que os nossos pensamentos se coadunam. Helena, a mãe das duas, tem o roupão mal atado e cara de choro. O marido deixara-as. Fugira com outra mulher. Eu vi a mala feita, vi-o a sair, os gritos mudos da esposa. Adriana não sabia ainda. Helena suspirou e foi para a sala com a cafeteira fumegante. Pousou-a na mesa de vidro. Descaiu o rosto e inspirou profundamente.
Pegou na cafeteira e deitou o café na chávena. Como habitualmente umas gotas caíram no pires. Teria de se habituar a tudo de novo. Então começou por sentar-se numa cadeira.
[Escrito para este desafio. Têm até dia 12 para participarem também.]
Faço a minha ronda habitual. Binóculos poderosos. Vidros fumados e muito tempo livre depois da reforma. Observo a passarada humana. Têm penas, como as aves. Penas e cuidados. O miúdo do 1º andar, loiro, não pára quieto. Os pais admoestam-no em russo ou ucraniano, nem sei. Põe-se em frente à máquina de jogos e consegue estar no mesmo sítio duas horas seguidas. Os pais estão sentados na cozinha, ao fundo, a mãe com a mão preocupada a amparar o rosto enquanto vê a conta do telefone. O pai faz torradas. Tem a barba por fazer e um ar cansado. Na casa ao lado a Adriana mira-se ao espelho trezentas vezes antes de sair, compondo e descompondo o cachecol, o chapéu, o cabelo e a maquilhagem, exibindo o corpo magrinho no espelho do corredor. Às vezes olha para a barriga e faz um trejeito crítico com os lábios e o nariz. Depois arranca para a porta da saída. Está na rua em menos de dez segundos. O namorado espera-a. Tão subserviente. Apanho a irmã mais velha a olhar o quadro e adivinho que os nossos pensamentos se coadunam. Helena, a mãe das duas, tem o roupão mal atado e cara de choro. O marido deixara-as. Fugira com outra mulher. Eu vi a mala feita, vi-o a sair, os gritos mudos da esposa. Adriana não sabia ainda. Helena suspirou e foi para a sala com a cafeteira fumegante. Pousou-a na mesa de vidro. Descaiu o rosto e inspirou profundamente.
Pegou na cafeteira e deitou o café na chávena. Como habitualmente umas gotas caíram no pires. Teria de se habituar a tudo de novo. Então começou por sentar-se numa cadeira.
[Escrito para este desafio. Têm até dia 12 para participarem também.]
quinta-feira, setembro 01, 2005
A Lola está um bocado farta de mim. Já não falo com ela há uma data de tempo. A Lola não é exactamente o meu clone, a minha sombra, ou o meu evil-side, mas é uma pessoa pelo seu próprio direito. Até vota. O NIF dela é diferente do meu. Quando os tipos do telemarketing nos telefonam nós desconcertamo-los dizendo que sim, este telemóvel é meu e sou eu que faço os carregamentos, mas a Lola arranca-me o móvel das mãos e diz que é dela e que o paga e que o número até nem é esse - difere no último digito.
Talvez tenhamos mesmo dois telemóveis.
Ou talvez o telemóvel possua duas "donas".
Qualquer das hipóteses é altamente improvável porque eu nem tenho telemóvel (caro para caraças, porra, vão roubar para a estrada).
Bom, não tenho escrito e nem, através de mim, a Lola porque, francamente, não tenho tido paciência, mas sobretudo tempo. Trabalhar é uma chatice, come-nos o tempo todo. Quando trabalho não sou eu própria, tenho de sair de mim para fazer a função, não sou um zombie, mas se o fosse seria um zombie formal, profissional, sorridente e simpático - nevertheless, a zombie. Depois saio e toda a energia que eu podia ter dedicado à escrita e, mais importante, ao pensamento, que para mim tem de antecipar a escrita, foi gasto na porcaria do emprego de que eu nem gosto. Chego a casa, como, vou dormir. Isto não é vida, porra. Eu não nasci para isto. A Lola fumega porque, infelizmente, a levo comigo e tenho de lhe enfiar uma catrefa de meias (limpas) goela abaixo, tapar a bocarra com fita-cola, de maneira a poder trabalhar tranquilamente. Ah, mas o que ela esperneia.
Escritor a meio-tempo não existe. Acreditem.
Bom, vou ali pensar um bocadinho e respirar o doce (e paupérrimo) ar da liberdade (criativa) durante uns tempos.
P.S. Os meus queridos (Queridos!) leitores não se esqueçam que o meu livro, Senhor Bentley, o Enraba-Passarinhos, sai no princípio de 2006! Comprem! E ofereçam à avozinha, hehehehe.
P.S2 Não esquecer: comprar ovos e guardanapos, comprar ovos e guardanapos, ovos e guardanapos, ovoseguardanapos.
Talvez tenhamos mesmo dois telemóveis.
Ou talvez o telemóvel possua duas "donas".
Qualquer das hipóteses é altamente improvável porque eu nem tenho telemóvel (caro para caraças, porra, vão roubar para a estrada).
Bom, não tenho escrito e nem, através de mim, a Lola porque, francamente, não tenho tido paciência, mas sobretudo tempo. Trabalhar é uma chatice, come-nos o tempo todo. Quando trabalho não sou eu própria, tenho de sair de mim para fazer a função, não sou um zombie, mas se o fosse seria um zombie formal, profissional, sorridente e simpático - nevertheless, a zombie. Depois saio e toda a energia que eu podia ter dedicado à escrita e, mais importante, ao pensamento, que para mim tem de antecipar a escrita, foi gasto na porcaria do emprego de que eu nem gosto. Chego a casa, como, vou dormir. Isto não é vida, porra. Eu não nasci para isto. A Lola fumega porque, infelizmente, a levo comigo e tenho de lhe enfiar uma catrefa de meias (limpas) goela abaixo, tapar a bocarra com fita-cola, de maneira a poder trabalhar tranquilamente. Ah, mas o que ela esperneia.
Escritor a meio-tempo não existe. Acreditem.
Bom, vou ali pensar um bocadinho e respirar o doce (e paupérrimo) ar da liberdade (criativa) durante uns tempos.
P.S. Os meus queridos (Queridos!) leitores não se esqueçam que o meu livro, Senhor Bentley, o Enraba-Passarinhos, sai no princípio de 2006! Comprem! E ofereçam à avozinha, hehehehe.
P.S2 Não esquecer: comprar ovos e guardanapos, comprar ovos e guardanapos, ovos e guardanapos, ovoseguardanapos.
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