quinta-feira, setembro 22, 2005

Considerações sobre Katrina e não só


Os pobres não significam nada porque não têm uma voz activa. Não a têm por tantas razões: falta de educação (não há dinheiro para pagá-la), logo, falta de conhecimentos sobre os seus inalienáveis direitos, não sabem que os têm, apesar de não terem dinheiro, e que possuem também a indiscutível prerrogativa de exigirem o cumprimento dos seus direitos; a perspectiva de quem é pobre é menor do que quem não o é, as suas fronteiras acabam onde os olhos poisam, não há nada para além disso. A falta de dinheiro é madre do desespero (neste tempo em que parece que só se é plenamente humano se houver fundos para isso). A falta de respeito nos olhos dos outros porque se é pobre causa grande angústia, expressa de tantas maneiras.
Os filhos da mãe dos políticos sabem isto. Sabem que a chave é a educação, o que implica capital. Valente. Escolhem não gastá-lo. Porque se metade, ou mais, da população não possui voz activa pois não foi educada para a ter, o governo de um país fica “facilitado”, os cidadãos são menos “exigentes”. Aliás, metade dos cidadãos nem vota. Metade da população que não fala, não exige, que nada diz. População que é invisível, que não vale nada, não conta: porque haveríamos nós de nos importar com eles?
Este comportamento é cal-cu-la-do. E as consequências do mesmo devem ficar com quem o calcula.
Não é uma questão de cor de pele, mas uma questão da cor do dinheiro. (Embora eu concorde que os preconceitos da sociedade limitam o acesso à riqueza.) Não importa se se é branco, negro ou roxo: importam as verdinhas. Tu tens as verdinhas? Óptimo, então tens direitos.
Aos necessitados é-lhes dito, de tanto modos, que não valem nada, que a sua voz nada significa.
Mas é mentira.
E eu começo a desconfiar que eles começam a saber disso – que é mentira. Que têm direitos, importância, que a sua voz deve e tem de ser ouvida.
Com o Katrina, lá, como noutros pontos do globo, acho que começaram a perceber as consequências de se calarem, de não exigirem, de não lutarem. E que é do seu interesse, a longo prazo, começarem verdadeiramente a exigir os seus direitos. A falar. A protestar. A unirem-se.
Para isso o paradigma actual (só quem tem numerário tem valor) tem de ser modificado. Desconfio que já começou a mudar. Não ficámos todos parvos ao ver a forma como um país rico trata os seus cidadãos pobres? Não achámos isso errado? Não pensámos, em conjunto, nos pobres do nosso país? No nosso governo? No que nos aconteceria se de repente perdêssemos tudo? E não tivemos uma empatia Maior pelos menos afortunados? A voz dos pobres tem de unir-se à voz que já é activa. Sim, meus lindos, Estado Social, mas não apenas. Este nosso país anda a lixar quem não tem cacau. Qualquer dia seremos todos pobres, dominados por uma pequena oligarquia.
South Africa, anyone?
E também aí só importará a cor: tens as verdinhas? Então és um senhor, um lorde. Eu respeito-te. Se não, não vales nada, nunca valerás.
E nós? Caladinhos. Pobres e remediados. Classe-média calada. Toda a malta calada. Enquanto nos fodem. Meus kidos: a nossa voz, unida, é mais poderosa do que o peso do mundo.
E seria tão giro, no futuro, ver a profissão de político barrada a quem não expressasse a mais alta ética humana – em actos.
Eu acho que sim. Era fixe.

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