:..: Escritor é canalha? :..:
Sacana? Filho da mãe? Da puta que o pariu? Da avózinha sarnenta? Cabrão?, malandro?, biltre? Desavergonhado, cínico, gentinha, ordinário, patife, pulha, velhaco, tratante, mariola, falso, bandalho, etc. e tal?
Resposta possível/provável - sim.
Mas não só.
Ele/a (e indecisos) também é santo/a.
Lembro-me da primeira vez que li Henry Miller. O final de um dos 'Trópicos' ('Trópico de Câncer' ou 'Trópico de Capricórnio', não recordo qual) chocou-me.
Não foi o sexo, a forma mecânica como era descrito, mas outra coisa que me causou choque.
Foi o facto de ter mentido a um dos amigos.
Foi uma Revelação. Nós podemos mentir/aldrabar/ludibriar os nossos amigos e depois (ainda por cima) escrever sobre isso?! (ou seja: lixá-los duas vezes...)
Não sabia. A sério. Juro-vos que me era desconhecido.
O gajo ficou com o dinheiro que o amigo lhe entregara, à confiança, para dar a outra pessoa. Henry Miller, aquele cabrão, sorridente, concordou. Eh pá, vai em paz. Confia. Eu dou-lho.
A real pinóia. Abotoou-se com ele.
Tudo bem, a outra pessoa, o terceiro elemento, era a namorada do amigo e era uma besta, um algoz. (Confiando - ...? - no retrato de H.M.) Ok. Mas o amigo confiou nele!
Adorei. Uau. Fiquei fã do homem. Quer dizer que, na escrita, podemos ser filhos da mãe! Podemos ser sacanas de primeira apanha! Lixar os outros! Tramá-los! Sem consequências! Amei, amei, amei (como dizem os brasucas).
Significava que a escrita não tem regras. É isenta de moral. A escrita, ela mesma, fundamenta-se, baseia-se na excepção. A ressalva, a marginalidade que se permite.
A sociedade necessita dos seus marginais, das excepções (como é que podem existir regras sem o seu contraponto?). A sociedade permite, melhor, fomenta os seus marginaizinhos encartados: os artistas. Os criadores, autores, os que artisticamente se exprimem.
A natureza da arte é a mentira.
Mentira que, dado a relação estabelecida entre criador-'leitor'/observador (o pacto da suspensão da verdade), se transforma/transfigura em verdade. Outro tipo de verdade ou uma verdade que se conjuga, mistura na verdade vigente.
(Já agora, o que é verdade? E o que é a verdade?)
Talvez a verdade actual seja o somatório de mentiras primeiro toleradas e depois nela integradas. Logo, a criação precisa da sacanice, da canalhice. É o seu oxigénio.
No dia a dia não sou dada à violência. Detesto conflitos, agressões, falsidades de qualquer género. Porém, quando escrevo... Ah!, quando escrevo posso ser tudo, deus e o diabo, para as minhas personagens. Quando escrevo estou além (ou pelo menos é para lá que aponto). Quando escrevo exerço a excepção.
À regra.
Porque a escrita não tem regras nem moral.
[Desconfio que o Henry Miller (e outros de idêntico calibre) diriam isto de forma, bom, mais gráfica, ehehe...]
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