sexta-feira, agosto 02, 2002

Depois de curado o trauma causado (-ado, -ado, fica mal. Um dia exemplifico melhor) pelo casamento evangélico da minha prima (que eu adoro, nem pensem o contrário), cá volto à escritura.

Costumo ler o ‘Diário de Notícias’ há anos. Mais ou menos desde a época em que os meus textos passaram a ser aceites pelo ‘Dn Jovem’. Começo pelo fim, a última página. Gosto de ler a coluna do Vasco Pulido Valente, embora metade das vezes não perceba lá muito bem o que ele diz (a política é-me indecifrável). No ‘Faz de Conta’ de hoje ele termina com estas palavras de aviso - “Atenção o incrível acontece”. Para tornar claro o discurso, transcrevo o parágrafo anterior: “Para muitos portugueses (...) os partidos «viciam» a democracia. E nada melhor para corrigir esse «vício» do que um «homem» plebiscitado.”

Ele fala do perigo sempre eminente do regresso aos tempos da Outra Senhora, da ditadura (a dita que dura a dita que dura a dita que dura). Para nós – a dita que durou e para os da minha idade, a dita que jamais conheceram.

Não fui educada num regime fascista e opressor onde a censura imperava (tesourando ideias, consciências e espíritos). Não tenho o hábito de imaginar ao meu lado o censor da praxe, de lápis em riste, riscando metade do meu texto. Fui habituada à democracia, percebem? Não gosto nem de supor que um dia ela possa, no nosso país, chegar ao fim, e eu tenha (por exemplo) de submeter as entradas do meu simples blog à censura institucional (para Bem da Pátria). Mas nunca se está totalmente livre da reincidência deste mal. A minha (e vossa) única arma é o voto. Porém, como escrevo, tenho disponível ainda outras armas, outras formas não direi de luta, mas de vigilância. Possuo a arma do voto e a arma da escrita. Se o meu país voltar ao tempo da Outra Senhora penso que teria de emigrar. Pirar-me. O exercício da escrita, o exercício da criatividade artística, até o exercício da criatividade humana não é compatível com regimes de terror. Mais cedo ou mais tarde ia pôr a pata na argola...

À censura do Estado, a essa escapei porque nasci um ano antes da Revolução dos cravos (não, não sou centenária, hehehe).
Mas existem outros géneros de censura. Os portugueses praticam muito a da invisibilidade. Se não gostam de determinada pessoa ou obra, é simples: não falam nela. A obra não existe, a pessoa não existe. São invisíveis, ocultos. Funciona.

Todavia, a censura a que o autor (de qualquer tipo) está habituado é a sua. É aquela vozinha (irritante) que lhe diz: “Mas tu ‘tás parvo?! É que nem te atrevas! Não podes dizer/pintar/esculpir um absurdo desses! Olha que te lixam depois... olha que magoas pessoas que amas... olha que te fecham as portas. Não digas que não te avisei. Passa aí a alface, se não te importas.”

É esta vozinha chata que temos de aturar e contornar. O problema é que muitas vezes ela tem razão.
Ou seja, jamais estaremos livres da censura (nossa ou imposta do exterior).
O que eu faço por vezes é escrever aquilo que me dá na gana e depois... depois nada. Depois esconder, arrumar num sítio discreto. E esperar.
Os livros secretos (ou a escrita secreta) são-me essenciais. Como disse atrás: importa escrever. O resto logo se vê.

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