[escrito ontem à noite]
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Antigamente odiava a uniformidade das cartas editoriais recusando (yet again) o meu manuscrito. Mas não me ‘tão a dizer nada, porra! São todas iguais! Não dizem porquê! Os fundamentos da recusa! Eu quero saber porquê, porra!
Não querida, tu não queres (trust me, darling), diz o meu eu futuro (ou melhor: presente) ao meu eu passado.
Sabem a famosa frase... you can’t handle the truth! Ora nem mais.
Agora imaginem, queridíssimos leitores, que as editoras diziam de facto a verdade aos wannabe writers. Havia de ser lindo. Era vê-los em carreirinha, a caminho da Ponte 25 de Abril, fazendo fila para o mergulho final das suas miseráveis (repito: miseráveis) vidas.
(Pitiful lives. Soa melhor em inglês.)
Ora isto era o suicídio da Nação!
Milhares de autores medíocres a jogarem-se dramaticamente ao rio Tejo, ao encontro das Musas (a ler um poema ao mesmo tempo, quiçá), e no meio da maralha – um ou outro talvez não tão medíocre assim. Um ou dois que, com a passagem dos anos, acabassem por escrever obras interessantes, livros de jeito. Aqueles que a gente lê no décimo ano porque é obrigado (ninguém me tira da ideia que a obrigatoriedade da leitura é a morte da leitura, mas adiante), mas torna a ler anos depois e adora. Os clássicos, sabem, os tais dos clássicos.
Agora atentem na categoria, na qualidade da carta de recusa que eu recebi da D. Quixote, feita justamente para evitar o suicídio de um autor porventura brilhante!
“A obra que V. Exa. [Ena! Excelência!] teve a amabilidade de nos propor para publicação já foi apreciada. [Ah sim! Foi, foi! E então, e então!]
Infelizmente a Editora não pode dar-lhe uma resposta positiva por dificuldades de enquadramento da nossa programação. [Sacana da programação, lixada a tipa.]
Junto devolvemos pois a cópia do respectivo original [Estes devolvem. Hum, as mesas já devem estar todas niveladas.]
Agradecendo uma vez mais a amabilidade [Ora, não tem de quê!] com que nos distinguiu [Disponham sempre!], aproveitamos para nos subscrever com a maior consideração.
Departamento Editorial.”
(Eu acabei de queimar qualquer hipótese com a D. Quixote, não foi...?)
Estúúúúpiiiida.
Mas divago.
Esta carta, apesar de ser quase igual, ao milímetro, a todas as outras cartas de diferentes editoras que já recebi (eles juntaram-se e combinaram?, I wonder), tem a virtude de me instilar o desejo de continuar a escrever !
Imaginem se as editoras dissessem mesmo a verdade.
“Os papéis que nos mandou, desperdiçando inutilmente a vida de uma árvore inocente, já foram apreciados (apesar dos vómitos, não conseguimos afastar-nos com rapidez, mas deu para ler).
Graças a Deus a Editora só pode dar-lhe uma resposta NEGATIVA (negativa, negativa, negativa – caso seja surda, repetimos) não por causa da treta das “dificuldades de enquadramento na programação” (Ah-ah-ah! Vocês são tão tapadinhos, acreditam mesmo), mas porque é Mau Para Caraças, porra! O computador não se auto-mutilou quando escreveu o livro nem nada, hã?!
Não devolvemos a cópia porque nos faltou papel na casa de banho.
Pedindo a todos os santinhos que nos faça a caridade de Não nos voltar a remeter mais nenhum outro livro, aproveitamos para nos subscrever com a maior...
Ah, que se dane: olha, pá, vai para almeida.
O Departamento Editorial.”
Quer dizer, eu ia direitinha, a arrastar o ego pelo chão, a chorar baba e ranho, ver se arranjava a maior pedra, amarrá-la ao pescoço, fazer bungee jumping para a Ponte Vasco da Gama.
Sem corda. Ou, no máximo, com um elástico daqueles de prender o cabelo.
O Saramago, se recebesse uma carta destas em início de carreira nunca chegava a Nobel. Nem a velho.
(‘Tá um tipo a rapar o cabelo na TV! Lol! ‘Tá parvo! Ai, o preço da arte...)
Mas divago.
(‘Tá-se a pôr careca! Eu não acredito!)
Ó porra, onde é que eu ia? Ah!
My point is: estas cartas insípidas de recusa preservam, a longo prazo, o futuro cultural do país.
Eu, ao lê-las, acredito mesmo. A sério. Gostaram! Fui amável! Mando a tonelada de livros que fiz desde os seis anos! Vou ser ainda mais amável, vão adorar!
(Yes, I’m petty.)
Se é verdade que estas cartas preservam os medíocres (such as I, it pains me to admit it), também preservam os outros. Os bons. E de vez em quando há editores que têm o efectivo privilégio de publicar génios em vida.
Não disse metade do que eu queria dizer. Tentei fazer piadas, saíram secas, apesar de estar a assistir ao Levanta-te e Ri. Lembrei-me agora do Milan Kundera, checo. Certa vez, ao receber a carta da editora francesa que lhe publicava as obras julgou que a secretária aproveitara para lhe fazer uma declaração amorosa dissimulada no insípido texto comercial. E tudo por causa do amavelmente. Semânticas diferentes em países diferentes. Na verdade a frase final não passava de uma fórmula social e ele tomou-a por verdadeira. Também nós acreditamos na tal da “dificuldades de enquadramento de programação”, não é?
Pois.
(Eh pá, um anúncio a uma bebida qualquer com um monte de gajos nus! De repente fiquei com os neurónios ocupados.)
Eu disse os Neurónios.
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Citação do Bruno Nogueira (ontem) no Levanta-te e Ri: eu não sou gay, tenho é as rótulas todas apanhadinhas.
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