Como é que alguém pode ser a favor disto...?
«Fátima Neves abortou dois meses depois de Lisete. Eram amigas. Tinham três anos de diferença. Tentou com a pastilha preta da caveira, o permanganato de potássio. Na arma da roleta calhou-lhe a si a câmara vazia, mas Fátima está convencida de outra justificação: “Eu cá quando introduzia não parava de andar, ela meteu-se na cama. Não se pode culpar ninguém de lhe ter dado as pastilhas. Só fazemos o que queremos. Só se culpa o medo que não nos deixa ir ao hospital. Ela foi lá tarde de mais.”
Fátima tem 43 anos, o cabelo escuro e a cara encardida pelos anos de vida mal vivida. Fala em catadupa, sem medo de contar que “alcançou” filhos e não os teve. Abortou. Sempre sozinha. “Tinha o Vítor, que hoje tem 29, quando alcancei. O bebé tinha nove meses, era solteira e tinha muito medo do meu pai. Introduzi 24 pastilhas de permanganato até a bolsa queimar. Estive muito mal.”
O verbo alcançar, que assume novo significado, é repetido até fazer do acto de contar um problema. Três meses depois do aborto alcançou, deixou nascer. Seis meses depois alcançou, abortou novamente, passou as passas, mas ficou em casa, a torcer-se. Dois anos e meio depois nasceu outro menino e em meio ano alcançou outra vez. Já tinha homem, um pescador que lhe batia, e abortou novamente com as pastilhas. Bebeu também chá de loureiro. Nessa altura, o medo dos médicos e da denúncia à Polícia esvaiu-se com o sangue que perdia. “A médica do hospital pedia-me para lhe dizer a verdade, que tinha abortado, neguei sempre. Que me deixassem morrer!” A médica mandou-a para casa e disse-lhe que afinal tinha um fibroma, que nunca tinha estado grávida. Mas estava. Ao fim de seis meses nasceu Raquel, a menina que aos 14 anos fez um aborto, quando Fátima estava detida por tráfico. Um dos filhos, menor de idade, guardava-lhe em casa droga. Fátima jura que foi para a cadeia para o proteger. “O que não faz uma mãe...” Mesmo que tivesse passado toda a idade fértil a lutar por não tê-los. Num dos abortos que fez, virou-se toda do avesso, saltou, até arrancar de si o que podia ser pegado ao colo.
Aquele filho de Fátima serve no bar da associação de moradores. Em hora de trabalho está encostada ao balcão do bar da associação de moradores, uma mulher que foi mãe pela primeira vez adolescente. Tem um filho de 17 anos, outra de 14. Fez três abortos, sempre com a clínica dos pobres, o Cytotec. Da última vez, em 2004, comprou uma lamela a uma conhecida com marido dependente daquele medicamento. “Ela fez-me um favor, mas como ninguém já faz favores fez-se pagar.” Cinco euros.»
(Fonte: http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?id=219188&p=22&idselect=19&idCanal=19)
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