Pode não parecer, mas é um poema
Pudesse eu ser tudo aquilo que não sou, ser da matéria das marés, dos bosques; pudesse eternamente entreter-me nos bosques como um sátiro, um delicioso sátiro, com pés de sátiro, corpo de sátiro e tronco humano; um sátiro a beber as flores do caminho, a esmagar as flores amarelas nas mãos, a comê-las às colheradas; um sátiro a fazer amor com as árvores e elas, envergonhadas, a gemerem baixinho, baixinho para não incomodar as ervas, o sono das ervas, o nobre sono das ervas; um sátiro com pés de cabra, pés de cavalo, pés de besta; um gordo sátiro a espumar de resina no ventre cavalar; um sátiro sem esperma porque os sátiros, procriando, fazem-no com o hálito, os olhos, as mãos (os meus sim).
Pudesse eu ser da matéria de um mar seco, engelhado, velho, absolutamente gasto, idoso, mau, rosnento, ladrando insultos aos rios; um mar que cobriu a terra e depois a terra expulsou-o para longe, muito longe, longe longe.
Pudesse a juventude dos bosques pertencer-me como pertence aos sátiros e a velhice de oceanos secos ser minha, minha, minha.
Pudesse eu ser jovem e tudo e ser velha e nada; quero um ódio imenso a escapar-me das unhas e um amor a quebrar-me a pele. À marretada.
Quero embrulhar-me num novelo de tudo e espremer, burilar a essência do homem do mundo do tempo do ser.
27 Janeiro’06
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