sexta-feira, julho 22, 2005

Capítulo 12 d' A Imortalidade


“Passei a vida a fugir, a correr de um lado para o outro para evitar ser descoberta, capturada e destruída. Tudo o que eu sempre quis foi permanecer num sítio e ter um lar e uma família para amar e que me amasse e aceitasse tal como sou. Mas fui obrigada a fugir, a fugir sempre. O dinheiro pode solucionar certas dificuldades, mas não as piores, há casos de que nem toda a prata do mundo te salva. Conheci outros como eu, sem engenho, mortos em poucas horas, poucos dias ou semanas. Os mais argutos sobreviveram um a dois anos.”
Silencia-se e analisa-me a fisionomia, tendo a satisfação discreta de presenciar a crescente evidência do medo no meu rosto entorpecido.
Prossegue.
Noto que não tem pressa em partir. Depois de sete anos fechada não correu para o exterior. Após tanto tempo, compreendo, precisa de alguém a quem contar a verdade. E eu não posso fugir. Desta vez sou eu que estou presa. A psicóloga de serviço.
“Passei a vida a correr, a esgueirar-me, a abandonar tudo. A escapar-me às crescentes interrogações dos outros, ao seu olhar inquiridor, às questões às quais não dava resposta ou resposta vaga e insuficiente. Estou farta, farta de não poder ser eu própria. Nos momentos de desespero indescritível contemplei com seriedade a hipótese de terminar a vida.”
Mas mudava de ideias na manhã seguinte.
O desejo de viver era forte demais.
O dinheiro permitiu uma liberdade inicial, porém cedo realizou que a verdadeira segurança estava noutro sítio: fazendo parte de famílias mortais, como criada ou governanta ou ama ou enfermeira. Vivendo como eles. Ingerindo da sua comida e bebida e mais tarde vomitando-as por não poder suportá-las. Mas, pela segurança de estar num meio familiar, e também pelo desejo de ser integrada numa verdadeira família, ela fazia os sacrifícios necessários.
Teve vidas piores e melhores.
É o que lhes chama: vidas.
(Continua.)

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