Capítulo 9 d'A Imortalidade
Tenho pena desta mulher. Pela primeira vez vejo-a como humana e não somente ser imortal, talvez superior aos mortais por ter vivido tanto. Uma deusa menor – era como a via. Entendo que as suas limitações são as limitações humanas. Entendo que ainda é humana. Nas palavras doridas intuo o rubro da alma. É forçoso que tenha alma, mas aprisionada naquele delgado corpo e carne pálida e bela, enredando-se nos cabelos áureos, e impossibilitada de escapar.
Os meus sentimentos de terror e desconfiança abrandam, juntamente com o bater do coração. Há quantas horas aqui permaneço? Não sei. Ela tem-me presa sem me prender. Poucos, até hoje, tiveram esse poder sobre mim.
Aníbal tentou efemeramente persuadi-la a dar-lhe a imortalidade. Era o único meio de enganar a morte. Franzo a testa. Que homem idiota. Prefere perder a alma a ganhar a verdadeira liberdade, pois que a morte traz a alforria, o cortar das limitações terrenas e fúteis. A morte despe e deixa à vista o espírito nu.
Tentou convencê-la por meio de palavras doces, vitimizadas súplicas, ameaças – sem êxito. Evangeline devolvia-lhe um olhar duro, imóvel, de ódio puro que substituíra o antigo amor, nada mais que a ilusão a que se pendera para poder lidar com a vida. Algures existia um homem que a amara e esse amor passado sustentara-lhe os dias.
A cruel realidade impunha-se, extirpando ficções com a dor da faca a esfolar pele viva. E agora era o asco que a alimentava e lhe escorava as horas.
Aníbal tem de a manter em boas condições físicas caso contrário a seiva de Evangeline não terá força suficiente para torná-lo num vampiro poderoso. O sangue fraco faria dele imortal, mas sofrendo à mesma de maleitas humanas, sem protegê-lo da intensa dor.
Por isso trazia-lhe comida. Rapazinhos e rapariguinhas para saciar a sua sede.
- O melhor sangue é o dos jovens – revela num malévolo tom espraiado dos olhos azuis em setas luzentes. – O vigor da juventude inunda-me e chego a sentir a capa da inocência que veste as crianças. É superior a todos.
Um arrepio palmilha-me de cima a baixo; os pêlos do corpo alvoram.
- Deus... – sussurro.
(Continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário