Homenagem ao Cupido
É da espécie do amor mudo, o amor calado, assim um amor calado por entre neve e anos; um amor que não fala e grita e deseja acabar-se, substituir-se a outro; um amor paralisado a bater num coração paralisado; um amor que não vai e não vem, um amor enfiado numa estaca a meio da praça; aquela coisa, meio podre e viva, que bate fresca ao fim de anos; que respira, débil; que vê na escuridão como um gato idoso e desenganado.
É um género de amor que não se acaba e quer acabar-se, já sem estrépito, já sem se atirar para debaixo da carruagem; mas docemente, como um anjo a largar um suspiro.
Talvez apagar-se na rua como o céu apaga certas nuvens e elas deixam de ser nuvens, são fiapinhos invisíveis outrora brancos.
Como este coração, outrora vermelho, hoje rosa, a bater descompassado, habitado pelo vírus que não se desaloja (e não há meio de sair a lei das rendas); um coração abafado, cansado de arrastar-se e não se atirar para debaixo da carruagem; um coração gasto de romantismos, com o amor a encravá-lo, bicho da fruta, o amor.
Um amor que murcha, mas não morre; um coração que vai emurchecendo também; duas rosas podres, bicéfalas; duas flores mortas; dois bichos sem ar; dois monstros que se comem, deglutem, digladiam.
Duas entidades moribundas. Dois cestos sem pão ou pão sem boca; carcaças enrodilhadas em mofo; dois amigos que se odeiam e ferem; duas bestas cegas sem direcção.
Um amor que já se espantou, que já se calou, que sentiu, que amou amou, e hoje quer matar-se. Um amor que tem frio. Um amor que tem frio.
Um amor que antes sorriu e hoje s’ennuie.
Um amor que ainda ama contudo.
Um amor que se entretém a amar. A amar outro amor sem voz.
Um amor que gosta de brincar às balas perdidas, a zunirem, esperançadas, perto das margens do peito.
30 Janeiro 2006
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