sábado, setembro 09, 2006

Piratas

(Texto feito para este desafio. Participem também!)
 

Os Piratas

 

 

Evitamos passear por Lisboa desde que a falha espácio-temporal trouxe do mar às nossas praias costeiras os piratas de antanho.

Piratas por piratas preferimos os modernos, hackers anarquistas que laboram na obscuridade para o derrube do Partido. Abençoados piratas esses!

Mas estes... por Deus. São feios, ranhosos, fétidos e vêm a terra causar sarilhos ou resolverem querelas começadas a bordo e, por ser proibido duelar nos barcos, trazem os duelos para as ruas, às vezes até para as avenidas largas de Lisboa!

Polícia, GNR ou nenhum Homem do Primeiro se atreve a abordá-los antes, a meio ou no fim do esgrimar. Levava com espadeirada em cima que se fornicava.

Em ocasiões, seguros da solidez do nosso disfarce, aproveitamos para assistir à luta sem tréguas destas criaturas vindas do século XVI ou XVII, XVIII ou até da antiguidade clássica – animados da secreta esperança de que um – apenas um – dos Homens do Primeiro (esses desprezíveis seres sombra que mantêm a “normalidade social” prendendo arbitrariamente quem espirre ou tussa fora de compasso ou quem pisque os olhinhos de modo provocador ou simplesmente quem use barba – ou não a use de todo), de que uma dessas pulgas, dizíamos, tenha sofrido suicídio colectivo de neurónios, e avance, decidido na sua divina estupidez, e... tente deter o duelo.

Ó, como queríamos vê-lo guinchar como porco na matança enquanto as estranhas manchavam o asfalto de vermelho vivo!

Para infelicidade nossa em nenhuma das nossas – escassas porque perigosas – visitas a Lisboa tivemos a boa-venturança de testemunhar tal cenário idílico.

Os piratas até nem chateiam muito, verdade seja dita. Os alfacinhas cedo aprenderam a conviver com eles e a satisfazê-los: basta vinho – barris – e profissionais do ramo horizontal (ou vertical. Ou oblíquo. Depende da superfície disponível, é como tudo).

Embebedam-se. Gastam os dobrões, a moeda antiga que hoje vale muitas vezes mais que o valor facial, e ala para o navio rumo a novas presas.

Porém se calharmos dar de caras com um sóbrio – é bem certo aliviar-nos de tudo e nem pensar contar com a ajuda da Autoridade. A Autoridade põe o rabinho entre as pernas como um caniche tuberculoso e dá à sola.

Não fosse o pequeno inconveniente passearíamos – incógnitos – mais amiúde por Lisboa.

Incógnitos porque se um dos Homens do Primeiro nos apanha... lá nos remetem para o Tarrafal – prisão que a muito custo evitámos.

Mas o mundo, senhores, não é dos covardes!

Ah, cá está o nosso contacto. Pobre: um pirata alijou-o de tudo, desde o gorro às meias

- Ó homem...!

- Você não me diga nada!

- Tome lá o meu casaco.

- Você não se ria! Não se ria!

- ‘Tá mais aconchegadinho? Vamos lá falar de coisas sérias...

 

 

9 de Setembro’06    

 
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