terça-feira, setembro 19, 2006

Report e um conto

Report: done some - e escrevi um conto porque há montes de tempo que não colocava nada aqui. Não sei se se engloba na categoria infantil... nunca experimentei escrever para crianças por achar difícil e penso que não tenho habilidade para tal. Mas, enfim, nunca se sabe. O que eu detesto nos contos é que invento uma ou mais personagens - e depois a história acaba. Gosto mais de escrever narrativas longas porque posso estar com essas personagens mais tempo. Claro que eu sou burrinha: nunca tinha pensado antes em usar as personagens dos contos num livro maior. Talvez use estas três um dia, quem sabe.

 

As Meninas

 

 

Rosário, a Covarde, é menina de covardias singulares. À melhor amiga, por exemplo (Rita, a Matreira, a vizinha do lado, que tem a curiosidade de um gato juvenil), deixou-a pendurada dentro de um buraco.

Teve medo, a pobre, que o buraco a tragasse como um rissol e deixou, desvairada, pendurada!, Rita, a Matreira – aos berros (coitada).

Ainda são amigas, sim, mas nas excursões Rita tem o cuidado de levar um rapaz (ousado) porque sabe que a Rosário não é de fiar.

Rosário foge de tudo: do cinto do pai (nas vezes em que parte coisas lá em casa por medo), dos berros da mãe (“Mandei-te à loja há três horas comprar azeite! Onde é que andaste?!”), dos gatinhares insistentes do maninho – que ela teme, embora não saiba ainda bem porquê.

Quando o sol se põe, ela tem medo (que ele morra à noite durante o sono); quando o sol se levanta ela tem medo (que ele a torre para sempre com o calor, seria a... Rosário Tostadinha).

Rosário, a Coninhas, teme a própria sombra, os ruídos dos grilos, as andorinhas a voar, receia que o céu lhe caia em cima, e é sempre a primeira a fugir quando há sarilho.

Eu devia ter pena da Rosário, mas não tenho. Ela é como é: um esboço de pessoa a lápis sempre a tremer com pavores.

Toda a gente gosta da Rita, a Matreira, porque é linda e corajosa e tem um capuz muito bonito.

Todos menos o mau lá do bairro. O mau gosta da Rosário.

A Rosário gosta de um lenço (de pôr ao pescoço ou no cabelo) que sempre a acompanha, sendo estrangulado e arrepanhado pelos seus finos dedos covardes. O mau (o Valente) gosta dela e pensa que a Rita gosta dele, mas a Rita gosta é da Rosário.

Sim, leram bem.

A Rosário só gosta do lenço porque é o único que a escolta – sem um pio de desagrado – na sua covardia.

Para poder estar mais perto da Rosário, Valente aceita acompanhar Rita nas suas bisbilhoteiras excursões: o que haverá naquela casa deserta ao fim da rua?

- Não vás lá, está assombrada – replica a amiga num fio de voz escorrido por entre os lábios.

Ou: o que haverá na mata?

- Não vás lá. Há bichos e cobras.

Ou: e se entrássemos no camião enquanto o senhor Carlos dorme a sesta?

- Mas ele tem cães!

E lá ia o Valente, obediente, atrás de Rita (a do Capuz Bonito), só por causa da Rosário. Mas cada vez que a Rosário se pirava a meio (às vezes início) de uma complicação (Os cães soltaram-se! A porta fechou-se sozinha! Arrghh! Uma cobra! Cobras! Cobras!!!) em vez do afecto ele sentia uma raiva imensa por gostar de alguém tão cobardolas e não importava se era rapariga!

- Deixou-nos sozinhos outra vez! Bem podíamos morrer aqui que ela não diz nada a ninguém!

- Deixa-a – respondia Rita. – Ela é assim – e arremessava a perna, por onde a cobra trepara, contra o tronco da árvore até a hóspede cair.

Pode um Valente amar uma Covarde?

Parece que sim.

Pode uma Matreira Curiosa amar uma Medricas? Ó, sim, também.

Quanto ao fim desta história, isso já não sei. Lá devem os três ter continuado as suas aventuras por toda a infância.

 

 

19 Setembro’06    

 
 
Powered By Qumana

Sem comentários: