sexta-feira, novembro 07, 2008

Conto e não só

Escrito a 7 de novembro de 2007

Uau. Há exactamente um ano atrás.

Conversas com o meu Eu Superior

Eu: olá, tudo fixe?
Eu Superior: ´tou a comer.
Eu: Mentira.
ES: Ah pois, lol. Vais trabalhar? (¨Vou.¨) Não te canses. A vida são dois dias. Quando cá chegares há farturas à tua espera. (¨Ah! Que bom! Tenho perguntas¨.) Agora não, pensa enquanto eu como. ¨És gordo.¨ Só hoje. Hum, que bom. ¨Abençoa-me o dia, por favor.¨ Considera-te Abençoada!

E foi esta a ¨conversa¨ que tive há exactamente um ano atrás. Será que se eu a retomar hoje ele já terá terminado o lanchezito? É que o tempo lá por cima não é tão rígido como cá por estas, err, planuras.

Eu: Eu Superior, ´tás decente?
Eu Superior: Avatar! Avatar, quase que tive saudades tuas!
A barba dele vibrava, quase.
Eu: Quase...?
ES: Não queres farturas, espero. É que esta é a última - diz, escondendo-a atrás das costas. Mas depois arrepende-se e diz: mas quando vieres definitivamente há aqui um montão à tua espera!
(O meu Eu Superior é um bacano: vai dar-me farturas... daqui a 5 ou 6 décadas. Bacano, o gajo.)
Eu: Eu... preferia falar sobre a Vida, o Universo, a Alma, a Razão das coisas, de Tudo, sobre qual o Objectivo da vida, da Criacção. Sobre qual é o objectivo da minha vida. Qual é a razão de estarmos aqui, percebes? Porque é que eu estou aqui? Compreendes?
Após um longo silêncio ele estende-me a palma da mão e revela-me:
- Não há farturas, mas ainda temos amendoins.

Após um silêncio um bocado lixado da minha parte o gajo insiste:
- Amendoins, queres...?

Isto não há condições para se ter uma conversa Transcendente com ninguém, irra.

Entretanto a 1 de Novembro de 2008, um dia depois de ter feito a minha oitava doação de sangue (sou altamente altruísta e coisa e tal) escrevi um pequeno conto. Aqui fica.


NUNCA MAIS FOI VISTO

Era uma vez um homem que tinha um isqueiro. E perdeu o isqueiro num dia enevoado cheio de odor adocicado no ar, antes da tempestade, dos trovões e da chuva despencarem na antiga vila piscatória (mas que já não é piscatória porque todo o peixe emigrou e até a água do mar é importada), enjoativa - a vila - como que a preparar-se para a decadência e a velhice marítimas.
Ele, que se chama Bruno, perdeu o isqueiro e deixou de ser feliz porque um homem sem isqueiro é mais triste que um homem calvo: onde se põem as mãos se não se pode brincar com o isqueiro?
E o pior disto tudo é que o Bruno nem é fumador. Anda a ver se tenta há anos, a história de enfisemas na família que ceifaram uma caterva de tios é que o retém no limiar - fumo, não fumo? Fumo ou não fumo? Nunca comprou cigarros nem cravou um, jamais, a qualquer desconhecido à porta do hipermercado porque é sujeito tímido, educado com maneiras pelos pais, e agora sem isqueiro não vai ter desculpa para formar um vício respeitável (antigamente respeitável, decerto, mas ao menos mais respeitável que o da cocaína).
De ombros descaídos e cabeça tombada sai do umbral que o protege da enxurrada e corre até à paragem da carreira.
O isqueiro nunca mais foi visto com vida.


Entretanto oiço Hespèrion XX de Jordi Savall: el Cancionero de Palacio (1474-1516 - época dos reis católicos de Espanha). Muito bom.

[Random thought: e pensar que em 1473 faltavam 500 anos para eu nascer...!]

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