segunda-feira, fevereiro 17, 2003

:: O Argumento ::


A validade da escrita está na escrita como a validade de mim está em mim. De que forma dar a volta à questão: para quê escrever se tudo já foi dito, de modo excelente, superior, por escritores, mestres maiores do que eu? Alguém, desertinho por uma desculpa (válida, pensará) que lhe facilite a renúncia, pega nisto e deita o caderno e as canetas ao Tejo. Eu tenho o direito de ser, existir, tal como a minha escrita (é a resposta de rebate). Aceitar este esburacado argumento é o mesmo que aceitar a eugenia. Que uns têm mais direito a ser, a viver, do que outros. É aceitar apenas a perfeição clamando que nada inferior ao perfeito, ao irrepreensível, é tolerado. É afirmar que ninguém à face da terra tem direito aos seus erros, às suas (privadas, íntimas) descobertas. Que não tem direito a aprender nada, exigindo-se-lhe em simultâneo a perfeição.
Devo deixar de admirar a beleza do céu e de olhar para cima só porque alguns vêem nele coisas que eu jamais verei?
Devo deixar de correr só porque há atletas olímpicos que correm mais depressa do que eu?

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