quinta-feira, março 20, 2003



D. Juan

Depois de ele lhes ter comido quilos de baton,
As mulheres,
Enganadas nas suas mais sagradas expectativas,
Descobriram o modo de se vingarem
Do D. Juan.

Todas as manhãs,
Diante do espelho,
Depois de porem rimel nas pestanas,
Pintam os lábios
Com raticida.
Põem raticida no cabelo,
Nos alvos ombros, nos olhos, nos pensamentos,
Nos seios,
E ficam à espera.

Alvas se mostram nas varandas,
Procuram-no pelos jardins,
Mas, tomado por algum pressentimento, D. Juan
Tornou-se rato de biblioteca.

Acaricia apenas edições raras,
Quando muito cartonadas,
Nunca porém encadernadas em pele.
Comparada com o perfume dos boudoirs,
A poeira dos antigos autores
Parece-lhe muito mais requintada.

Mas elas continuam à espera.
Venenosas nos cinco sentidos - esperam,
E se D. Juan levantasse os olhos
Da sua nova paixão
Poderia ver pela janela da biblioteca
Como todos os dias vai a enterrar um esposo dedicado,
Depois de, por erro, beijar a mulher:
Morto no cumprimento do seu dever.

Marin Sorescu 1936-96

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