domingo, março 16, 2003

E segue outro extracto do que ando a escrever.

"Patrick estava num daqueles humores exaltados. E o tema era de arrepiar os pelinhos a um morto.
- Há que ir ao limite.
- Essa conversa enjoa-me.
- Porquê...? Afinal, carne é carne. Comeste carne a vida inteira, sem pruridos, sem crises de consciência, sem remorsos...
- De vaca. De borrego. De peru. Não carne humana.
(O amor, Julie dear, é difícil na vida actual, nos dias de hoje. A malta deixa-se com mais facilidade. Talvez porque se ligam com menos facilidade, não se deixando prender deveras ao Outro. A vida material gets in the way, Julie dear. Conceitos espirituais, subjectivos, são atrelados a conceitos materiais. Dá-se-lhes idêntico valor, rouba-se o mistério. A tudo. Como se se tirasse o molho à alma, Julie darling.)
“Apaixonamo-nos por ficções que depois temos de adaptar à realidade, à pessoa”, citou intimamente. “Salman Rushdie, creio. Em Versículos Satânicos.”
O sacaninha escreve bem.
(E tu, amor, já te adaptaste ao ser e destruíste a ficção, a ilusória imagem?)
“Cala-te. Estúpido grilo.”
- Carne não passa de carne – disse Patrick, extático. – É o tabu que nos atrai e repele, magnetiza.
É o mistério, o proibido, clamou ele."

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