quarta-feira, julho 02, 2003

De súbito lembrei-me dos aranhiços com que costumava assustar uma amiga na infância.
Tinham pernas longas e finas e o corpo do tamanho de uma pulga. Eu pegava neles e lançava-os contra B. Fartava-se de gritar! Fazia de propósito. E olhem que ela era a minha melhor amiga.
Ó, a pureza da infância...
Do que é que eu me lembro mais? Dos figos que nos faziam estalar a boca de cieiro no Verão. Da fruta que roubávamos a toda a gente. Das duas fontes, uma ao pé da cabine telefónica. Desses três incríveis meses de liberdade, as Férias Grandes. Dos desenhos animados.
(E se eu escrevesse um relato mais ou menos autobiográfico, na primeira pessoa, sobre parte da minha infância?)
(Tenho medo e vergonha. Não sei se conseguirei dizer tudo. Mas na ficção, ainda que parcialmente baseada na realidade, pode-se esconder. O leitor sabe disso. O leitor perdoa-nos a mentira porque a espera, ele antecipa o engano.)
Não podíamos ir para o monte por causa dos Rapazes da Torre, mas íamos à mesma. Comíamos caracóis. Quando chovia, no Inverno, levantávamo-nos cedo só para ir apanhar caracóis. Havia um miúdo muito mau que mos roubava ou, acaso eu encontrasse um sítio pejadinho deles, afastava-me para o lado e recolhia os caracóis todos. (Cabrão.)
Havia um rapaz de quem eu gostava muito aos oito anos. Hoje rio-me pensando nisso.
Havia atalhos. E pés descalços no alcatrão quente. E quarenta graus à sombra. E eu, a única a andar de patins. Ah, os cães. Os cães têm personalidades diferentes. Havia o poli, que morreu de desgosto pouco tempo após a morte do dono; as cadelas da Americana, muito snobs, não deixavam que ninguém lhes pussesse a mão em cima. E mais, não recordo os nomes agora.
Livros de banda desenhada, partilhados.


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