domingo, julho 06, 2003

Procuro-te


Procuro a ternura súbita,
Os olhos ou o sol por nascer
Do tamanho do mundo,
O sangue que nenhuma espada viu,
O ar onde a respiração é doce,
Um pássaro no bosque
Com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
A juventude suspensa,
A fugidia voz da água entre o azul
Do prado e de um corpo estendido.
Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
As coisas mais simples:
O pão a água
A cama e a mesa, os pequenos e dóceis animais,
Onde também quero que chegue
O meu canto e a manhã de Maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
Quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei há diferenças,
Mas não quando se ama,
Não quando apertamos contra o peito
Uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
Dedos para amortalhar crianças,
Dentes para roer a solidão,
Enquanto o verão pinta de azul o céu
E o mar é devastado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
Com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
De noite, de dia, triste, alegre - procuro-te.

Eugénio de Andrade

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