quinta-feira, abril 07, 2005

Capítulo 4 - A Imortalidade


Paro ao pé de uma oliveira, desmorono e fecho os olhos. Quando acordo é dia e estou no Bairro. Dormi a noite inteira sob a árvore, sono de cadáver. A roupa acumulou a humidade da noite e com a molha o frio arrepanha-me os ossos. Espirro. Estremeço. Olho em redor. Nem sinal ao longe, no horizonte, da casa misteriosa. É cedo. Pelo menos seis e meia da manhã. A Peixaria acabou de abrir portas. A vizinha Aldina passa com o cesto de compras. Ao peixe tem de se ir cedo senão fica muito escolhido. Acocorada debaixo da oliveira, a abraçar-me, a D. Aldina não me vê. Passa adiante a passo estugado e enérgico, apesar da hora. Sou noctívaga. Acordar às oito é um castigo, uma tortura inquisitória.
Caminho até a casa (que fica perto), coxeando, a dor diminuíra desde ontem. Atravesso um parco nevoeiro, inexistente nas ruas anteriores. Abro a porta e só então penso no meu marido. Estive fora a noite toda, saí ontem para fazer compras e volto agora. Já deve ter chamado a polícia. Fecho a porta estranhando não o ver correr para mim, com desespero e alívio. Continuo enregelada. Quero tomar um banho longo e quente, amolecer a pele e esquecer-me de tudo. Quero fechar os olhos e enterrar-me na cama e dormir doze horas. Graças a Deus é Sábado. Não aguentaria o dia de expediente. Na cozinha bebo um copo de água e, subitâneo, o meu marido dá-me um beijo enquanto estou de costas, está de partida para o turno de vigilância, diz-me que está atrasado e pede desculpas por não ter dormido comigo, mas viera demasiado tarde ontem. “Não quis acordar-te, dormi no outro quarto. Venho às cinco. Até logo.”
- Até logo... (cont.)


Participem também no Super desafio: Narrativa de ficção. Podem participar até 20 de Agosto. Vá lá, 15 mil palavras não é assim tão difícil, podem ir fazendo aos bocadinhos. Ainda têm tempo.
Só é escritor quem escreve. Não há outra maneira.

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