(sort of)
Era uma vez o senhor Bentley, muito chatinho, porque eu não lhe ligo nenhuma.
- Tu não me ligas nenhuma – diz ele com as fauces vermelhas de idoso com birra.
E é verdade. Há quantos anos tenho o Bentley II parado? (Demasiados!, diz ele.) Pois. Temos pena, como sói dizer-se ainda no outro lado onde eu costumava trabalhar. Temos pena. É a vida. Lamentamos. Com a maior brevidade possível. São os procedimentos.
Agora tenho uma horita para tornar defunta. Ah, ah, ah. Depois vou comer. “Não vais!”, grita ele. Pois. Temos pena: vou. “Não vais!” Ofereceu-me há pouco uma barata para eu comer. Que ando magra e baratas têm Proteína. É mentira. Duas mentiras. Desconfio que as baratas engordam senão não me ofereceria. Anda desconsolado (desacorçoado), o senhor Bentley. A sobrinha-neta não o respeita (e devia? “Devia! Raio da pirralha. Se fosse no meu tempo muita porrada levava.” Ó, senhor, cale-se, não sabe nada. No seu tempo... “No meu tempo! Sim!”). A quantas mestras de escola fodeu ele o juízo e levou quase à esquizofrenia clínica, I wonder? A muitas. “Poucas!”
Não te quero ligar nenhuma, meu velho Bentley. Senil Bentley (escarrou-me, o cabrão, mas eu desviei-me e a massa verde esponjosa caiu no colo de um senhor de cadeira de rodas).
Não me apetece tocar-te mais, para dizer a verdade.
“Ó, o meu belo corpo...!”
Enrugado e encardido.
“He, he, he”, ri-se, sardónico, o sacana do velho.
- Onde meteste o chapéu, ó velho fuinha? Fugiu-te outra vez?
“Foi para as Meninas”, diz ele, enunciando muito detalhadamente cada palavra com solenidade. “Para as Meninas”, repete de ombros caídos, quase pesaroso.
- Se te apanham, apeado no chão, 'tás bem fodido. Lixam-te os cornos, filho-da-puta – digo-lhe a rir. É que mesmo ninguém gosta dele.
Ele ri-se muito alto, dramaticamente (como se estivesse no teatro de modo a que na última fila o escutassem) e alça-se no ar. O cabrão do velho. Como raio é que?
Olhei para cima com atenção onde permanecia estático com a mão em pala sobre a testa a observar o horizonte e a outra apoiada na cintura, por cima do pesado sobretudo cinzento de lã. Nos sapatos saíam de cada lado um par de asinhas, cuja dimensão era a metade das de um pombo, e elas mantinham-no no ar. Depois, com um ar trocista, puxou as calças para baixo, deixando à vista um rabo enjoativamente branco e flácido (foda-se, vai para o Meco, a ver se apanhas alguma cor...).
“Uma criança! Uma criancinha com uma saudável birra! Olé! Olé, Tooooourooooo!”
E a segurar as calças voou até à paragem do autocarro, agachou-se bem (no ar) e projectou um saudável e consistente rolo de massa castanha-escura, que foi aterrar no berço do miúdo de três anos. Todavia a mãe retirara o fedelho a tempo. O berço foi direitinho para o lixo. O senhor Bentley gritou lá do alto depois de limpar o rabo às folhas das árvores:
“Parece que nem dão valor às coisas! Dêem o berço à caridade! À Caridade!”
Eu pirei-me. Que vergonha. Este gajo só me dá vergonhas. E baratas. Piolhos não dá porque eu nunca me chego muito perto (IstoNuncaSeSabe).
(Ui. 'Tá quase na hora do jantarinho.)
Ai o que eu gostava um dia de ver o Senhor Bentley em cena, no Teatro! Representado pelo Luís Miguel Cintra! Só esse, ninguém mais.
(c. 580 palavras)
6.08.09
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