sábado, abril 26, 2003

..:: Falhas ::..

O que é que me falta, o que é que me falha?
(Que, que, que – tanta repetição, tanto que. Admiro os que constroem textos inteiros sem recurso ao maldito que. Vejo-os como mestres, gente sabedora. Feiticeiros da palavra escrita.)

O que me falta para conseguir escrever um daqueles romances que ficam, permanecem e prosperam nas prateleiras por décadas a fim, sempre novos, actuais, sempre verdes, as edições a estalar de novidade, cheirando a novo?

Cada vez que leio um livro penso: é isto que me falta.

Não sei falar de pormenores, por exemplo. Aliás, os pormenores causam-me terror, suores nocturnos. Que tipo de casaco, que tipo de objecto? Aquele prato tem nome! A sério? Ó espanto. Os nomes das plantas, os nomes da cores que vicejam e reverberam nas pétalas das flores cujo nome desconheço. Os nomes de movimentos: políticos, artísticos, e sei-lá-mais-o-quê.

Como raio se chama esta merdinha?! E aquela merdinha! Raiva... (entrechocar de dentes).

É sempre a porcaria dos pormenores que me lixa, que me escapa. Eu não sou do tipo mil olhos, mil ouvidos. Sou do tipo aérea: passa-me tudo ao lado.

Guerra? Onde? Sério? Há uma guerra? Ah, já acabou...

Sei também que devia pôr em cada capítulo os cincos sentidos: a audição, a visão, o tacto, o paladar e o olfacto.
Devia encher os textos com subtis frases plenas de cor, cheiro e sabor. O que implica incontáveis, por vezes invisíveis, pormenores.

Ó, frustração. Porque é que eu não sei fazer isto? (Ler Bruce Chatwin não ajuda. Mergulho na autocompaixão, self-pity em inglês, soa melhor. É impossível superá-lo!)

Mas é só uma desculpa. Um auto-engano, a maneira que engendro para nem sequer tentar. (Embora – todavia - tente, mas sem aquela genialidade do Chatwin, filho da mãe, sacana, escreves bem, pá!)

Outra coisa que me lixa: os sentimentos.
O ódio puro. O amor puro. O vasto leque de emoções entre tais extremos. Somos humanos e como tal experimentamos uma extensa panóplia de sentires. Infelizmente, há alturas em que não sabemos os seus nomes. (Isto é o quê? Não é inveja, é ressentimento. Não percebo... ressentimento...?)


Não conheço o nome a todas as emoções que já senti, mas sei que foram muitas. É claro que não as experimentei todas.
O engraçado é que, ao escrever, a narrativa, a história, as personagens que a vivem tomam conta da situação – e deixam-me livre. Tiram-me esse peso de cima – e de súbito vejo, escrevo, sei (ou aprendo?) coisas que pensava não saber. Descrevo sentimentos que julgava desconhecer. Não são meus – pertencem às personagens.

A sério. Há ali um momento em que não importa a experiência de vida mais completa. Há momentos em que, simplesmente, são as personagens a mandar ou, melhor, a mostrarem-se de uma forma que, se fosse pensada com lógica e a priori, não resultaria tão bem.

Enfim, muito me falha. Remédio? Cura? Treino constante. Faça chuva, faça sol. Escrever, escrever. Treinar, treinar. Exercitar os pontos fracos, aprimorar as falhas.

O que me lixa é a preguiça.

Tenho de andar constantemente a lutar contra mim só para conseguir escrever uma reles página.

No meu caso a escrita faz-se (nasce) apesar da autora.


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