quarta-feira, abril 30, 2003
:: A Nora Satisfeita ::
Ó querido, claro que eu não me importo que tragas a tua santa mãezinha cá para casa passar uns mesitos! Aliás, eu quando me casei casei-me contigo e com a tua mãe. Ainda me lembro do discurso do padre: a senhora aceita em matrimónio o Felisberto e a santa da mãe dele?
Ó querido (disse eu ao padre já mirrado na farda do ofício, a cabeça parecia um figo seco a sair da batina), por quem é, por quem é!
Não tem importância nenhuma ela ter partido a anca em sete sítios e meio. Eu dou-lhe banho de esponja, não é incómodo nenhum. E, fofo, pode assistir se quiser, até pensei em gravar e difundir na internet, ganha-se uns cobres. Troco-lhe a roupa, mudo-lhe a algália, arranco-lhe os pêlos do queixo (temos o cortador de relva novinho em folha, óptimo para o efeito!) e fecho a porta do quarto à chave em noites de lua cheia quando a santa da minha sogra, ó, a pobre, costuma ter aqueles achaques. Agora o rico lá terá de matutar numa desculpa para os vizinhos quando eles se queixarem dos uivos altas horas da noite, eu não posso pensar em tudo.
Ai, esta cabecinha! Esqueci-me de ir buscar a serra eléctrica que encomendei de propósito para aparar as unhas da sua querida mãezinha!
Vou à loja num instantinho. Aproveito e passo pela papelaria e compro um maço de cigarros. Não demoro nada! Eu não fumo? Ó amor, comecei há uma semana atrás!
Para que é que são as malas, querido...? Humm... têm um problema no fecho, vou pô-las no arranjo.
E a roupa dentro das malas, querido...? Pois, errr, é para dar à igreja que distribui pelos pobrezinhos. Temos de ser uns para os outros! Nunca se sabe quando nos toca a nós!
Adeus, amor, quer dizer, até já! Já agora passe-me aí o passaporte, já me esquecia dele.
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