quarta-feira, abril 16, 2003

CLONE - YOU'RE NOT ALONE

Donde vem o corpo que não é teu?
Donde vem a carne que nem tua é?
Donde vem a alma com que vês o céu?
Donde vem a crença em Deus - de ti?
Ou é de outro a fé?
És tu de ti próprio?
Pertences-te?
Donde vem a cor dos teus olhos?
Donde vem a língua que falas?
Donde vêm os teus sonhos?
E tens direito a tê-los?
Ou puseram-te a vontade em talas?
Deram-te o caminho à nascença?
Deram-te toda, já inteira e pronta, uma crença?
E és tu de quem? És de ti mesmo?
Ou espreita-te por cima do ombro o mesmo alguém?
De quem é a força?
De quem é a razão?
De quem é o medo?
E a quem pertence o coração?
De quem são os maneios que te ondulam a voz?
De quem são os caminhos, os passos, com que passeias e caminhas acima ou abaixo de nós?
De quem são as letras, as páginas escritas que alguém antes de ti escreveu?
De quem é a boca? De quem são os beijos?
De quem são os pensamentos e os tremores?
De quem é o corpo? De quem são os desejos?
De quem é a honra?
A quem pertence a sombra? É tua?
Ou foi-te emprestada pela rua?
É tua a tua alma?
Haverá uma só - em vários corpos?
É ela como líquido, como água, distribuída por muitos copos?
De quem é a cor da pele?
De quem é o saborear e o gostar com que saboreias e te delicias no mel?
De quem é o sentimento?
De quem é o ódio? De quem é o amor?
De quem é o sonho? Quando algo te dói - é de ti a dor?
De quem é o frémito e o espasmo?
De quem é o vómito e o pasmo?
De quem é o soco e esse teu belo, belo cheiro rouco?
De quem é a vitória?
E a glória?
E a fama?
E a solidão?
E a plenitude?
E a mentira?
E a humanidade?
E a pessoa?
Quem tem a verdade?
Se é que a há...
De quem é a música semeando-te as mãos?
E essas cores, nos quadros, essas paletas que consegues transportar às flores?
("E quando ele tem sono - é ele que dorme?")
("Quando ele tem fome - qual dos dois come?")
São tuas as tuas ruínas? São teus os teus escombros?
De todas as sinas do mundo, está a tua via bem marcada?
És tu que levas a vida ou é ela que te carrega aos ombros?
Terás direito a erros, a enganos?
Ou és só uma linha de certezas perfeitas - avançando para o alto?
Que querem de ti os que te criaram?
Querem-te Deus ou escravo? Ou ambos?
És tu o que te sentes?
És tu o que te sabes?
És tu o que tu abres?
És tu o que tu fechas e cerras... e mentes?
E as dúvidas, quando as tens? E tantas devem ser!
E as incertezas... que as dás ou que as guardas... são de quem?
E a morte, quando vier...?
Quem, afinal, irá morrer?
De quem são os voos?
As penas, as lágrimas, os choros?
Os risos...
As noites...
Os amores...

4/97

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