:: Amores ::
Não falem de amor às pessoas que não amam (ou que naquele momento não amam). Não vale a pena. Nós levantamos o sobrolho e a pingar sarcasmo, replicamos:
-O amor é lindo.
Ai que lindo que o amor é. Há coisas que se compreendem apenas depois de as sentirmos. Por exemplo, a fome não pode ser racionalmente compreendida. Só depois de a passares é que sabes o que ela é. Tal qual a injustiça. Sabemos, empiricamente, que há injustiça no mundo – mas esse distante fenómeno é entendido (no íntimo) apenas quando o sofremos na pele.
E o amor? Só o percebemos enquanto o sentimos. Depois de o sentirmos, depois de o termos, não nos falem dele, por favor. Vamos rir na vossa cara.
-O amor é lindo.
Sem um pingo de vergonha, escrúpulos ou culpa.
Digo mais.
Por favor, não nos falem de amor. Do amor não se fala. Ponto final. A pessoa X está apaixonadíssima pelo Y. A nós parece-nos tudo menos amor. Nem paixão. Nem luxúria. É outra coisa qualquer. O amor sente-se. Não se partilha com palavras. O amor assim partilhado é tudo menos amor.
Quem não ama é cínico, mesmo sem querer sê-lo. Está na nossa natureza.
-Ah pois, o amor é lindo...
Se caem na real palermice de partilharem connosco o que só se partilha com o amante (i.e., o amor ele mesmo) não estejam à espera, ó ingénuos, que a gente se cale e não disseque.
Esse amor.
A natureza dos que ouvem confidências é a dissecação, a análise. (O corte, o retalhe, a decomposição em elementos, logo, a autópsia do amor.)
Cá para mim quem ama não diz (aos amigos) que ama. Quem ama (à séria) tem medo que aquilo acabe e cala-se muito bem caladinho.
O amor não se partilha. O amor não se confidencia. O amor é secreto.
Porque os outros, lindos, ó lindos apaixonados, caem-vos em cima. Os outros vão separar-vos. Just for the fun of it. Só pelo gozo do desafio, topam?
O amor é ridículo. Estar “no amor” é estar fora do estado normal, socialmente aceitável, socialmente normalizado.
Talvez associar o ridículo ao amor tenha sido um dos anticorpos desenvolvidos pelo Social. (Não sei, estou para aqui a inventar, mas até faz sentido.)
O amor que tem necessidade de mostrar-se (publicitar-se) não é amor.
As pessoas que de momento não amam, mas que já amaram sabem-no.
Portanto, não nos falem de amor, ok? (‘Tou só a avisar...)
[Hoje ‘tou ácida. Não liguem.]
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