segunda-feira, maio 05, 2003

Mais um poema...


O MEU POVO

Há coisas bem estranhas na televisão
(que toda a gente devora, digere e entranha...)
Mas ninguém estranha as coisas estranhas que dão na televisão
Ontem deu um programa sobre um povo africano
Povo estranhíssimo, de falo à testa (Kalasha!), emblema masculino emblemático
Quem sabe, que eu não o sei, estou aqui, no presente, habito por demais o presente (a meu modo, é certo), quem sabe (repito) se no futuro, daqui a mil anos!, não serão esses, os de kalasha no crânio, os lembrados...
... e o meu povo esquecido?...
Mas qual é o meu povo?
A quem pertenço eu?
Sou d'onde?
Donde venho?
Qual será o futuro do meu povo?
Tê-lo-à?
Sou de Portugal - mas será o meu povo português?
Vivo nos arredores de Lisboa,
mas, suponho... sim, suponho - não tenho o sangue lisboeta em mim
Por vezes tenho o Tejo e o sol e a chuva e as ruas a abarrotar de turistas. E a ponte. E a outra ponte. E a areia de algumas praias - tenho pouco desse sangue em mim...
Mas o de Lisboa não, acho... embora não haja certezas...
O lisboeta não é a parte ínfima, individual, de um povo
Porque há mil anos atrás não havia lisboetas
Havia gente que práqui andava
(daqui a mil anos alguém dirá a exactíssima coisa)
No entanto, os de África, esses da televisão estranhíssima, já eram parte do que são hoje
E daqui a mil anos exibirão ainda, na fronte, a célebre kalasha, símbolo viril?
Estarão aqui (no futuro) e nós não?
Qual será o meu povo então?
Isto, supondo-se, que esse povo do futuro, que ninguém sabe quem é, se acredite, se creia verdadeiramente descendente dos portugueses...
(Não os antigos, aqueles das Descobertas e Naus Catrinetas, mas estes de hoje, murchos, murchíssimos de aventuras...)

(Dirá alguém: "Descendo dos vulgares, que descendiam de inventados heróis"?)

10/98

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