domingo, dezembro 04, 2005

-= Heavenly Art =-


-= Heavenly Art =-, originally uploaded by Abraham Irawan, BRAM.

Isto é tão bonito que me vejo forçada a roubá-la.

E outra coisa roubada, uma bela carta de amor.

Nha cretcheu, meu amor
O nosso encontro torna a nossa vida mais bonita, pelo menos há mais de trinta anos.
Pela minha parte, torno-me mais novo e volto cheio de força.
Eu gostava de te oferecer cem mil cigarros,
uma dúzia de vestidos daqueles mais modernos,
um automóvel,
uma casinha de lava que tu tanto querias,
um ramalhete de flores de quatro tostões.
Mas antes de todas as coisas
Bebe uma garrafa de vinho do bom,
Pensa em mim.
Aqui o trabalho nunca pára.
Agora somos mais de cem.
No outro ontem, no meu aniversário
Foi altura de um longo pensamento para ti.
A carta que te levaram chegou bem.
Não tive resposta tua.
Fico à espera.
Todos os dias, todos os minutos,
Todos os dias aprendo umas palavras novas e bonitas, só para nós dois.
Mesmo assim à nossa medida, como um pijama de seda fina que tu não queres.
Só posso te chegar uma carta por mês.
Ainda sempre nada da tua mão.
Fica para a próxima.
Às vezes tenho medo de construir esta parede
Eu, com picareta e cimento
E tu, com o teu silêncio
Uma vala tão funda que te empurra para um longo esquecimento.
Até dói cá dentro ver estas coisas más que não queria ver
O teu cabelo tão lindo cai-me das mãos como as ervas secas.
Às vezes perco a força e juro que vou esquecer de mim.

Fontainhas, 2005, Pedro Costa, DVCam, cor 4:3, 4 minutos e 36 segundos,
Ventura lê a última carta que o escritor Robert Desnos escreveu em Auschwitz, reescrita em português
Exposição FORA! em Serralves

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