terça-feira, dezembro 20, 2005

Texto feito para este desafio do Escreva!

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COISAS QUE EU FIZ ESTE ANO [2005]




Inventei o pára-quedas. Fui eu, a sério. Desenvolvi uma obsessão grave pelo Brad Pitt. Mandei limpar o sótão com um bulldozer. Cometi o crime perfeito, o corpo jamais será encontrado. Não vale a pena oferecerem docinhos que eu não digo onde está. Emocionei-me entre cinco a dez segundos a olhar para a carinha laroca de um bebezinho rechonchudo, chegando a considerar a hipótese de ter um. Mas depois tinha que o alimentar todos os dias e mudei de ideias. Deixei de comer açúcar (custou). Visitei em segredo Marte numa missão exploratória da Nasa. Há lagos, sabiam? E alugam jet-skis. Os marcianos são uns bacanos, mas não deixam fumar. Comprei camisolas e procuro, desesperada, um gorro. Um gorro, um gorro, o meu burro por um gorro! Ganhei um gato. Perdi uns quilitos. Tive considerações filosóficas várias. Aquartelei desejos homicidas. Tremi de medo quando Saturno entrou em Leão. Procurei incessantemente a resposta definitiva que me explicasse o Mundo, a Verdade, Deus, a Morte e o horário do Metro.
Até ao momento não obtive sucessos quantificáveis (nas palavras do sacana que me despediu: temos pena).
Adquiri um problema ocular que me acompanhará por muito e muito tempo. Consegui escrever cem mil palavras. Conquistei um pequeno país latino-americano. Remeti cartas obscenas a Jô Soraes (não me respondeu). Fiquei com mais vontade de abandonar Portugal. Vomitei cada vez que via uma notícia sobre o processo da Casa Pia. Tenho uma confiança inabalável na Memória da História, que suplantará os nossos ossos apodrecidos, e ela fortaleceu-se, solidificou-se. Joguei ao bingo, joguei na bolsa, joguei ao póquer – perdi sempre. Deixei crescer as unhas. Cortei-as. Não me perdi de amores. Fui má, mas gostei. Assinei um contrato para a publicação do Senhor Bentley, o Enraba-Passarinhos. Fiquei feliz, mas não deslumbrada. Conheci muita, muita gente. Esqueci-me dos nomes quase todos. Aprendi certos truques. Fiquei a saber que, não raro, as mulheres não adquirem o nome dos maridos quando se casam, o que me espantou porque isto é Portugal. Desenvolvi uma opinião muito má acerca dos portugueses. Viajei imenso na mente. Em primeira classe. Mudei fraldas (ok – não, esta parte é mentira). Fui ao médico uma data de vezes. Levantei-me cedo, fui dormir às quinhentas. Li poucos livros. Fiz manifestações a apoiar o consumo de hambúrgueres, o comércio injusto, o uso de peles, o não uso de peles, os Estados Unidos, o Iraque, o racismo, a integração. Vi pouco cinema. Tive questões comigo mesma. Chegámos a vias de facto. Tive questões com os outros, mas calei-as. Cresci vinte e cinco centímetros. Rapei frio. Congelei. Morri de calor. Pensei: a reencarnação é a resposta mais lógica – mas isso não foi o fim do caminho. Tive pena de não acreditar fosse no que fosse, em vez de me consumir neste agnosticismo, barquito sem remos nem vela num oceano com pouco vento, mas, se acreditassse, fosse no que fosse, teria fundo desprezo por mim. Considerar-me-ia uma imbecil.
Comi muitos legumes.
No geral não foi um mau ano. (E não, não digo onde escondi o corpo.)

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