domingo, junho 18, 2006

CONTINUAÇÃO DAS AVENTURAS DO SR. BENTLEY

O senhor Bentley oferece-se para liderar um movimento de resistência civil.
- Contra as multas. Os filhos da puta dos políticos. E as putas das mãezinhas. Vamos incendiar Portugal, meus lindos!, com o nosso rigor e honra, com a nossa Exigência Ética!
O senhor Bentley está no Ágora, modestamente povoado. A maioria resta em casa a fritar os miolos assistindo ao Mundial.
- Às vezes tem-se neurónios a mais – admite ele, sério.
Os presentes miram sub-repticiamente, emitem sons de desprezo pelos lábios, agitam as mãos em movimentos moderados e continuam a dialogar em voz baixa com o camarada do lado.
Ó, o Monsieur Bentley - ignorado!
Isso não se faz a um pobre velhinho!
Ele não se incomoda.
- Proponho - (continua) - uniforme! Para sermos de imediato reconhecidos!
(E mais rapidamente recolhidos como ganadaria para ser marcada a ferro quente, mas isso ele não diz.)
- Protestemos juntos, meus lindos, uniformizados! Ah, cá está ele - observa uma trouxa ao canto da parede.
Bentley muda-se à frente de toda a gente (não tem mesmo vergonha nenhuma, a bisca, mas isto, os velhos, são uns desavergonhados. O senhor Bentley considera ter o direito de agir como se a velhice o isentasse do pudor).
- Sou velhinho. A vergonha é para os novos.
Canalha.
- Cá está ela, a farda do nosso Movimento de Resistência Civil.
Mini-saia de aspecto plástico, cor-de-rosa choque, sapatos femininos da mesma cor de salto agulha. O brilho fere os olhos.
O suave ronronar de barulho de fundo no Ágora.
Cessa.
- Vamos, companheiros! Allons-y, camaradas! En route!
Abre os braços como um Cristo obsceno. As pernas são estacas de bambu, finíssimas, brancas como as de um albino. E sem pelinhos. Ele nem tem pelinhos nos colhões, reparem. Antigamente era uma grande tristeza (not), mas hoje, Homem Iluminado, Buda Vivo, Funcionário da Emel em Part-Time - superou o trauma.
Correram-no, não à pedrada (como é costume), mas à galhofa.
- Olhó Periquito Pomposo!
- Vais pá naite, méne?!
- Vai masé pó Intendente sacar a jorna aos emigrantes do Leste!
- O cornudo gosta é dos outros, das PALOP’s.
- E de putos.
- EU ABOMINO CRIANCINHAS!
Abespinha-se e com razão. Alça no ar com a ajuda do guarda-chuva aberto, a perna aberta, a formar um pavoroso V invertido, raquítico de hastes. (Falta de vitaminas.)
- Hereges - choraminga. - Vou-me. Noutro sítio encontrarei seguidores à altura.
- Vai lá, vai. Não te esqueças é da camisinha! Ah, ah, ah!
- Da camisinha de algodão porque está frio, ainda te constipas e apanhas a puta de uma pneumonia e depois Morres!
O ribombar de risos só o deixa à entrada do Metro.
Arranja lugar sentado. Um adolescente com pena cede-lho. “Coitado. A Alzheimer é fodida.”
O senhor Bentley senta-se, compenetrado e absorto, de rosto limpo e só não dá um tabefe ao rapaz por desconhecer o teor do juízo.
Hoje é quarta-feira e ele, ComoTodaAGenteSabe, tem de purificar a alma, deter-se na contemplação da Impermanência da Vida e da Morte.

No Cemitério

- Ah-Ah-Ah! O cemitério! - exclama em exuberante alegria. A noite escura revela os contornos baços das sepulturas. Um grilo canta. Resfôlegos e murmúrios entrecortados enchem a espaço a noite.
- Olá... - murmura Bentley.
Agacha-se. Fecha o chapéu. Desliza, qual felino, até à fonte dos sons estrangulados. E antes de ver a origem já ele sabe o que ocorre.
Um rapazote, magro, dos seus vinte anos, com um rabo luminoso e redondo, trabalha furiosamente a mulher cadáver que desenterrou. Está fresquinha, a gaja. Não deve ter estado mais de cinco dias enterrada.
O senhor Bentley tem pena de não ter trazido holofote.
“Para eventos destes são necessários holofotes. E honras de Estado, caralho.”
Pop.
Desaparece num estrondo mínimo. Reaparece na Residência Oficial do Esticadinho. Arranca o esqueleto mirrado da cama.
- Marucha! Marucha! - implora de mãos estendidas enquanto Bentley o arrasta de pijama e barrete para outro.
Pop.
Ora eu não sei como o diacho do homem fez, mas após algumas dezenas de pops não é que há uma ala formada frente ao jovem fornicador de cadáveres, todos perfeitamente alinhados, alguns no acto da continência? Só o rosto em pânico silente é testemunha de que a postura erecta ou a saudação militar não são actos naturais. O vestuário também não ajuda: envergam pijama inteiro, ou só as calças, camisa de noite florida (o Paulinho), ou estão nus, e estremunhados, cheios de ramela, o penteado desfeito ou com rolos no cabelo.
Bem tentam as biscas descolar-se da posição de sentido forçado ou descerrar lábios, só a respiração aos arrancos, forte, é prova dos esforços, mas nada feito. Pregados ao chão como lindas figurinhas de Estado, ai, catitas! Até lá está o Narigão do Primeiro! (O Primeiro não pôde vir, o senhor Bentley compreendeu. Trouxe a penca que cumpre às mil maravilhas a função, aliás, como tem cumprido as outras. O Sardas também foi dispensado. Estava na Channel à cata de cachecóis chiques.)
- Sem cachecol elegante não se grita a plenos pulmões! - disse o senhor Bentley.
Às sardas.
Teve vai-não-vai para levar as sardas junto, mas mudou de ideias.
- Um ruivo sem sardas não é natural.
Ora o jovem fornicador (com um lindo rabinho branco, duas meias luas simétricas e gordas, rabiosque quase de gaja, o senhor Bentley sentiu uma atracção sáfica por ele - sáfica pois que o seu lado feminino desejou as meias luas femininas do fornicador de cadáveres, porém passou-lhe, graças a Deus, há coisas que nem eu seria capaz de descrever), o jovem fornicador, dizia, ora entra e sai da coninha apertadinha - morta, pútrida e fétida - da defunta sem conseguir parar, preso num movimento perpétuo.
(Ó!, será a Máquina do Movimento Perpétuo?!, demanda-se o Enraba-Passarinhos. Chamem os engenheiros da Nasa! Alertem as companhias petrolíferas! Temos a crise energética resolvida! Foder cadáveres!)
Mas não é a mítica Máquina do Movimento Perpétuo, peno informar.
“Ó...”, desconsola-se.
Holofotes iluminam os glóbulos alvos e as figuras de Estado.
Ficam ali a noite toda. No dia seguinte fazem manchete nos grandes jornais nacionais. A TVI manda uma equipa televisiva. É a única com colhões para mostrar a imagem.
Bem tentam despregá-los, quebrar a paralisia. Nada feito. Parecem feitos de pedra. Um ou outro mija-se e emporcalha a roupa. O Fornicador do Movimento Perpétuo, bom, a ele, cortam-lhe o instrumento e resolve-se o assunto (afinal é um gajo qualquer, não uma Figura de Estado. Ao Narigão Primeiral mostram maior respeito). Remetem-no às urgências do São José e depois à prisão.
O senhor Bentley safa-se (pulha). Vai em peregrinação a Fátima para lhe perdoarem os pecados (os por fazer, não os antigos).
Antes, porém, a noite caía e lentamente a rigidez abandonava o corpo das figuras, passa pelo cemitério, agarra no cadáver fodido (tinham posto um oleado por cima) e obriga a que todos lhe beijem a boca apodrecida.
- Foi bonito.
Ele só quer que os tipos compreendam o que ele compreendeu há muito: a morte toca a todos. Também os senhores terão a boca pútrida e, quem sabe, com sorte, o seu cadáver será desenterrado para lhes irem ao cu.

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