sexta-feira, junho 23, 2006

O Candelabro

[Saiu na Revista Bang! nº 0]

 

 

 

Quando órfãos na Índia, paupérrimos meninos de rua brasileiros ou tailandeses o abordam de mão ossuda estendida, encardidos, pestilentos, os trapos rotos a cobrir o corpo magro, esquelético e doente, expondo mazelas nos joelhos e braços e pulgas que se passeiam, desenxabidas, no couro cabeludo, de feridas velhas e frescas a enxamearem o rosto, o senhor Bentley comunica-lhes, numa mansa secura:

- Olhem lá, já não pode um homem, olhem lá. Eu não tenho filhos, porque raio hei-de aturar os filhos dos outros? Eu não vos pari. Vá lá, andor, andor. Não pode um homem passear descansado – e afasta-se vagarosamente sem pingo de vergonha ou piedade humana. Crê ser essa ausência a prova confirmada da sua Iluminação.

Certos miúdos, ressabiados, arremessam calhaus ao chapéu de coco que, coitadito, não tem culpa nenhuma. Foi este um dos motivos que o fez começar a cuspir às criancinhas. O senhor Bentley não percebe como é que as mamãs, ao primeiro berro do monte de carne que lhes parasitou as entranhas por nove meses, não se transmutam em infanticidas.

- Que defeito ancestral, petrificado nos genes passados de geração em geração, as obriga a cuidar de tais horríveis criaturinhas? – pergunta-se amiúde. Quer instituir no futuro uma bolsa para patrocinar estudo científico que responda à questão.

O Enraba-Passarinhos é defensor enérgico da sodomia infantil, embora não a pratique por nojo.

- A sociedade enrijava, trabalhava-se mais cedo, os miúdos saíam da primária e iam para as obras! A crise da Segurança Social era coisa do passado. Limpinho. Estar a gastar capital para quê, sem precisão nenhuma. Traumatizem-se as criaturinhas! De berço! Ponham-nas cá fora, A Trabalhar! Têm bom coiro para isso – vocifera, zombeteiro, perto de reformados, o sorriso vai de lado a lado como os dentes pontiagudos de uma serra.

Defende também o carácter compulsório da sodomia (em todos os actos protocolares) para qualquer pessoa que entre na vida política activa. Enrijece. Dá músculo. É tipo duche escocês (embora o próprio seja adepto do duche dourado).

[O senhor Bentley é uma besta, relembremos.]

Venceu, honestamente, ainda por cima, os maiores samurais do Japão. E gabou-se sem humildade nenhuma. Não se sentiria à altura do Nirvana se não se gabasse. Homens iluminados estão para além das hipócritas regras corteses. Em consequência deportaram-no e foi considerado persona non grata. Na verdade conseguiu ser expulso de todos os países do mundo. Não teve remédio senão regressar a Portugal donde se evadira na adolescência no ano de 1917 depois de abusar de Fátinha, uma das pastorinhas (os três pastorinhos que eram quatro, originalmente). Hoje a Pastorinha Desconhecida ou a Primeira Vidente é Madame num ilustre bordel alemão. Logo ao primeiro encontro ele demonstrou-lhe o Candelabro Italiano, o Arco do Triunfo e o Pêndulo; ensinou-a a injuriar Nosso Senhor Jesus Cristo Que Morreu Na Cruz Pelos Nosso Pecados (todos: coitadiiiiiinho) e a Virgem Maria durante a cópula. A rapariga teve orgasmos tenebrosos e abandonou as beatices saloias. Hoje a franzina catraia de dezasseis anos é chefe de um dos mais influentes Sindicatos de Putas teutónico, é mamalhuda, avessa a cirurgias, tem varicoses e anda carregadinha de celulite. As suas especialidades são a Bailarina, o Arco-Íris e a Hipotenusa que reserva a clientela escolhida por causa da artrite. Está grata a Bentley por a ter perfeitamente industriado na arte do amor físico. A cada visita ao bordel regala-o com belas ninfetas de pernas brancas e compridas e seios como maçãs verdes, que lhe cocegam os sovacos depilados e fazem festinhas circulares na barriga.

Mas agora, em Portugal, país de grunhos, onde é que existem lupanares decentes? Com ninfetas, rapazinhos cruéis, velhas gordas devassas e meretrizes normalíssimas, burguesas que fazem uns bicos à noite para pagar créditos malparados e trabalham nas Repartições durante o dia?

O senhor Bentley suspira, inconsolável.

Espera que inventem um país novo, donde ainda não tenha sido expulso. Visitá-lo-á com o senhor Robert, fantoche de origem gaulesa, o que não vem ao caso.

 

 

 

 

 

28 Setembro’05

 
 

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