segunda-feira, junho 12, 2006

[Texto escrito para este desafio do Escreva! Participem também!]

Sons

O cd de música clássica barroca, sem vozes; o cata-vento a encimar o tubo exterior da salamandra, range, range, pára, recomeça, numa dança aleatória - dança a quebrar a simetria das flautas (serão flautas?) do Telemann; o som, este som, das teclas do Alphasmart; o roçar da minha pele no tecido da toalha quando vou pegar na caneca de chá (verde); o som da palma da mão na caneca azul-marinha (a outra, branca, de forma idêntica, quebrei-a, nem sei como, uma estúpida distracção. Prefiro esta, azul); o som metálico ao rearranjar os óculos no rosto; o som da minha respiração e o coçar da testa.
O avião plana acima, estou perto do aeroporto, de início incomodava, já não. Todos se habituam.
A periquita a chilrear, a espaço. O chilreio lembra-me um iiiiiii retorcido. Alongado. Um I travestido de érre.
O silêncio na rua, esperam as vinte horas para o início do jogo Angola-Portugal. Ninguém fala, ninguém anda lá fora. O som das minhas unhas a raspar no pescoço.
O omnipresente ruído do cata-vento, que ruge a andar de um lado para o outro.
Um solitário carro desloca-se, ao longe. Devagar.
E os estores estão muito “calados”. Sem movimento. Uma criança grita algo a alguém.
O silêncio. A expectativa. A rua inteira à espera.
Só o cata-vento e a minha periquita e o Telemann não se calam, formam um trio. Mas duvido que de jazz.

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