sábado, maio 31, 2003
"- Imagine um grupo de pessoas que se ajuramentam para inventar em segredo um escritor e lançá-lo ao mundo, como se lança um filho a correr a sua sorte. Não poderia chamar-lhes uma sociedade secreta?"
in Eu Não Sou Eu, Evidentemente de Gonzalo Torrente Ballester (Caminho).
Vá, não digam que nunca vos dei nada.
sexta-feira, maio 30, 2003
Ai, vejo tudo a andar à roda, à roda...
(Se não der para abrir, gravem e vejam o ficheiro com o wmp.)
quinta-feira, maio 29, 2003
Mais outro mail que me enviaram.
"O menino da imagem em anexo é de S. João da Madeira e desapareceu ontem,
16 de Maio, em Santa Maria da Feira, por volta das 16:00h, quando vinha
da Cerci para a camioneta.
Solicita-se a divulgação desta fotografia e pede-se a quem souber alguma
coisa, o favor de contactar os telemóveis mencionados na imagem em anexo
ou a Polícia.
Obrigado."
quarta-feira, maio 28, 2003
A Joana não vai para a cama
A Joana, chega a hora de deitar,
não quer, não quer - não vai para a cama.
Vêm a tia, o tio, e do monte a vizinha Ana
com vassouras de papel enxotá-la, enxotá-la
para debaixo da cama - mas ela torce-se, rabuja,
corre corre a esconder-se dentro do buraco da fechadura
e não vai, não vai, Ah pois não vou!
Vem o João Pestana, mas ela sorrateira e arisca, sem que
ele dê por isso - põe-lhe na testa alpista! Para a cama é que não vai!
(Nem pensar dormir a sesta!)
Vai-se embora o João Pestana, furioso, a refilar:
- Mas que menina esta! Nunca assim vi!
E a Joana ri, ri, ah como ri!
Não vou, não vou, não me mandem! Apre com a cama!
Vou dormir no telhado, vou dormir no terraço.
Venham gigantes, aranhas, elefantes - eu cá não tenho cagaço!
Vou, a voar, dormir no espaço!
Vou, a voar, dormir no teu colo, mãe.
Está bem?
11/2000
A Joana, chega a hora de deitar,
não quer, não quer - não vai para a cama.
Vêm a tia, o tio, e do monte a vizinha Ana
com vassouras de papel enxotá-la, enxotá-la
para debaixo da cama - mas ela torce-se, rabuja,
corre corre a esconder-se dentro do buraco da fechadura
e não vai, não vai, Ah pois não vou!
Vem o João Pestana, mas ela sorrateira e arisca, sem que
ele dê por isso - põe-lhe na testa alpista! Para a cama é que não vai!
(Nem pensar dormir a sesta!)
Vai-se embora o João Pestana, furioso, a refilar:
- Mas que menina esta! Nunca assim vi!
E a Joana ri, ri, ah como ri!
Não vou, não vou, não me mandem! Apre com a cama!
Vou dormir no telhado, vou dormir no terraço.
Venham gigantes, aranhas, elefantes - eu cá não tenho cagaço!
Vou, a voar, dormir no espaço!
Vou, a voar, dormir no teu colo, mãe.
Está bem?
11/2000
terça-feira, maio 27, 2003
:: Amores ::
Não falem de amor às pessoas que não amam (ou que naquele momento não amam). Não vale a pena. Nós levantamos o sobrolho e a pingar sarcasmo, replicamos:
-O amor é lindo.
Ai que lindo que o amor é. Há coisas que se compreendem apenas depois de as sentirmos. Por exemplo, a fome não pode ser racionalmente compreendida. Só depois de a passares é que sabes o que ela é. Tal qual a injustiça. Sabemos, empiricamente, que há injustiça no mundo – mas esse distante fenómeno é entendido (no íntimo) apenas quando o sofremos na pele.
E o amor? Só o percebemos enquanto o sentimos. Depois de o sentirmos, depois de o termos, não nos falem dele, por favor. Vamos rir na vossa cara.
-O amor é lindo.
Sem um pingo de vergonha, escrúpulos ou culpa.
Digo mais.
Por favor, não nos falem de amor. Do amor não se fala. Ponto final. A pessoa X está apaixonadíssima pelo Y. A nós parece-nos tudo menos amor. Nem paixão. Nem luxúria. É outra coisa qualquer. O amor sente-se. Não se partilha com palavras. O amor assim partilhado é tudo menos amor.
Quem não ama é cínico, mesmo sem querer sê-lo. Está na nossa natureza.
-Ah pois, o amor é lindo...
Se caem na real palermice de partilharem connosco o que só se partilha com o amante (i.e., o amor ele mesmo) não estejam à espera, ó ingénuos, que a gente se cale e não disseque.
Esse amor.
A natureza dos que ouvem confidências é a dissecação, a análise. (O corte, o retalhe, a decomposição em elementos, logo, a autópsia do amor.)
Cá para mim quem ama não diz (aos amigos) que ama. Quem ama (à séria) tem medo que aquilo acabe e cala-se muito bem caladinho.
O amor não se partilha. O amor não se confidencia. O amor é secreto.
Porque os outros, lindos, ó lindos apaixonados, caem-vos em cima. Os outros vão separar-vos. Just for the fun of it. Só pelo gozo do desafio, topam?
O amor é ridículo. Estar “no amor” é estar fora do estado normal, socialmente aceitável, socialmente normalizado.
Talvez associar o ridículo ao amor tenha sido um dos anticorpos desenvolvidos pelo Social. (Não sei, estou para aqui a inventar, mas até faz sentido.)
O amor que tem necessidade de mostrar-se (publicitar-se) não é amor.
As pessoas que de momento não amam, mas que já amaram sabem-no.
Portanto, não nos falem de amor, ok? (‘Tou só a avisar...)
[Hoje ‘tou ácida. Não liguem.]
Não falem de amor às pessoas que não amam (ou que naquele momento não amam). Não vale a pena. Nós levantamos o sobrolho e a pingar sarcasmo, replicamos:
-O amor é lindo.
Ai que lindo que o amor é. Há coisas que se compreendem apenas depois de as sentirmos. Por exemplo, a fome não pode ser racionalmente compreendida. Só depois de a passares é que sabes o que ela é. Tal qual a injustiça. Sabemos, empiricamente, que há injustiça no mundo – mas esse distante fenómeno é entendido (no íntimo) apenas quando o sofremos na pele.
E o amor? Só o percebemos enquanto o sentimos. Depois de o sentirmos, depois de o termos, não nos falem dele, por favor. Vamos rir na vossa cara.
-O amor é lindo.
Sem um pingo de vergonha, escrúpulos ou culpa.
Digo mais.
Por favor, não nos falem de amor. Do amor não se fala. Ponto final. A pessoa X está apaixonadíssima pelo Y. A nós parece-nos tudo menos amor. Nem paixão. Nem luxúria. É outra coisa qualquer. O amor sente-se. Não se partilha com palavras. O amor assim partilhado é tudo menos amor.
Quem não ama é cínico, mesmo sem querer sê-lo. Está na nossa natureza.
-Ah pois, o amor é lindo...
Se caem na real palermice de partilharem connosco o que só se partilha com o amante (i.e., o amor ele mesmo) não estejam à espera, ó ingénuos, que a gente se cale e não disseque.
Esse amor.
A natureza dos que ouvem confidências é a dissecação, a análise. (O corte, o retalhe, a decomposição em elementos, logo, a autópsia do amor.)
Cá para mim quem ama não diz (aos amigos) que ama. Quem ama (à séria) tem medo que aquilo acabe e cala-se muito bem caladinho.
O amor não se partilha. O amor não se confidencia. O amor é secreto.
Porque os outros, lindos, ó lindos apaixonados, caem-vos em cima. Os outros vão separar-vos. Just for the fun of it. Só pelo gozo do desafio, topam?
O amor é ridículo. Estar “no amor” é estar fora do estado normal, socialmente aceitável, socialmente normalizado.
Talvez associar o ridículo ao amor tenha sido um dos anticorpos desenvolvidos pelo Social. (Não sei, estou para aqui a inventar, mas até faz sentido.)
O amor que tem necessidade de mostrar-se (publicitar-se) não é amor.
As pessoas que de momento não amam, mas que já amaram sabem-no.
Portanto, não nos falem de amor, ok? (‘Tou só a avisar...)
[Hoje ‘tou ácida. Não liguem.]
segunda-feira, maio 26, 2003
Gosto do JPC da Coluna Infame. Aquele gajo vai-me fazer gastar 500 paus por semana só por causa das suas crónicas n'"O Independente" mais dia menos dia. Mas eu resisto.
Ai resisto.
Bem que ele podia ter um blog só dele.
N'era?
domingo, maio 25, 2003
Wired News: Blogueira fugitiva divide opiniões na Web
Esta história é cativante.
Desde 15 de Maio que ela não actualiza o blog.
Verdade? Mentira? Book deal?
Não sei. E nem sei se me interessa sabê-lo.
BlogTalk - A European Weblog-Conference
"The goal of the conference is to boost the awareness of Blogs as proper means for diverse modes for personal and collaborative publishing."
Interessante.
Merda das alergias. Queixo-me à Musa. Ela está-se nas tintas.
Deixem-me dissertar (hum, alongar-me será melhor termo) sobre a Musa que me calhou em sortes.
Vejo-a sempre vestida à hippie, tão bela que se está nas tintas para a beleza. Tem o cabelo muito comprido, com caracóis escorridos e mais ou menos castanhos-claros. Usa um lenço atado à cabeça. (Porquê? Porquê?) Nunca está disponível para mim.
- Ó pá, vá lá, encalhei no capítulo, dá aí uma ajudazinha...
- Tens um charro?
(Silêncio.)
- Eu nem sequer fumo.
Vira-me as costas e nem me responde.
- Porra, mas custa-te tanto?!
- Tens trocos para o bingo?
A minha Musa tem um, errr, gambling problem, nem quero pensar quando o Casino do Santana abrir, ai santa mãezinha.
- Tenho... hum, 20 cêntimos.
- Serve.
E pira-se. A cabra. Sem me inspirar uma reles linha. As Musas não servem para porra nenhuma. Servem como lembrança constante de que apenas o trabalho produzirá o livro, a obra almejada.
sábado, maio 24, 2003
Não sei o que está a causar a lentidão, de modo que alterei a template e fiz uma página só para os links (ver ali no lado direito).
Talvez seja a mudança (migração?) para o novo sistema do Blogger.
Digam-se se adiantou alguma coisa ou se a abertura da página continua a mesma pasmaceira de sempre.
Grata pela atenção. ;p
Mail recebido (pela segunda vez, devem achar que sou "surda"):
"Caro(a) utilizador(a),
Como já tivemos oportunidade de lhe comunicar, a Porto Editora lançou um novo serviço on-line, a Infopédia, no qual estão incluídos os dicionários de que tem vindo a usufruir.
Por este motivo, se, até 31 de Maio de 2003, subscrever o novo serviço Infopédia terá direito a um desconto muito especial de cerca de 40%!
Preço de uma subscrição Infopédia anual: 49,90 Euros (IVA incluído)
Preço da mesma subscrição Infopédia para si: 30 Euros (IVA incluído)!
O pagamento deste valor permitir-lhe-á continuar a aceder ao nosso serviço até ao final de Maio de 2004. Para usufruir desta oportunidade única, deverá clicar no endereço .
Durante o processo de subscrição, ser-lhe-á solicitado um "código da promoção". Aí, deverá digitar o código pessoal abaixo indicado, que lhe garantirá o acesso à subscrição anual Infopédia a um preço muito especial: 30 Euros (IVA incluído).
Código vale* LOD113970
*Esta promoção só é válida para subscrições anuais do plano Infopédia efectivadas até 31 de Maio de 2003.
Não perca mais tempo, subscreva já - esta campanha termina no dia 31 de Maio!
Gratos pela sua atenção,
Porto Editora"
30 euros duram-me um ano de subscrição. Não é caro.
Se fossem mas é à merda.
A moda agora é pagar tudo. Já notaram que a nossa vida, a vida moderna é uma vida a prazo? Que não se paga uma única vez por uma coisa, ou serviço, mas vezes seguidas? Já não me admirava nada ir a uma loja de roupa, comprar um casaco e ouvir a empregada: tem direito a um ano de subscrição! Volte em 2004 para a renovar!
Tenho um respeito enorme pelas pessoas que fazem as coisas de graça, por puro amor. Foi assim que a net começou e se desenvolveu.
Depois é que vieram os sacanas e começaram a pôr a mão em tudo.
Não pago merda nenhuma, seus cabrões, vocês tinham um serviço óptimo, prefiro mil vezes comprar um dicionário, dez dicionários, vinte enciclopédias a ter de vos pagar!
"Caro(a) utilizador(a),
Como já tivemos oportunidade de lhe comunicar, a Porto Editora lançou um novo serviço on-line, a Infopédia, no qual estão incluídos os dicionários de que tem vindo a usufruir.
Por este motivo, se, até 31 de Maio de 2003, subscrever o novo serviço Infopédia terá direito a um desconto muito especial de cerca de 40%!
Preço de uma subscrição Infopédia
Preço da mesma subscrição Infopédia
O pagamento deste valor permitir-lhe-á continuar a aceder ao nosso serviço até ao final de Maio de 2004. Para usufruir desta oportunidade única, deverá clicar no endereço
Durante o processo de subscrição, ser-lhe-á solicitado um "código da promoção". Aí, deverá digitar o código pessoal abaixo indicado, que lhe garantirá o acesso à subscrição anual Infopédia a um preço muito especial: 30 Euros (IVA incluído).
Código vale* LOD113970
*Esta promoção só é válida para subscrições anuais do plano Infopédia efectivadas até 31 de Maio de 2003.
Não perca mais tempo, subscreva já - esta campanha termina no dia 31 de Maio!
Gratos pela sua atenção,
Porto Editora"
30 euros duram-me um ano de subscrição. Não é caro.
Se fossem mas é à merda.
A moda agora é pagar tudo. Já notaram que a nossa vida, a vida moderna é uma vida a prazo? Que não se paga uma única vez por uma coisa, ou serviço, mas vezes seguidas? Já não me admirava nada ir a uma loja de roupa, comprar um casaco e ouvir a empregada: tem direito a um ano de subscrição! Volte em 2004 para a renovar!
Tenho um respeito enorme pelas pessoas que fazem as coisas de graça, por puro amor. Foi assim que a net começou e se desenvolveu.
Depois é que vieram os sacanas e começaram a pôr a mão em tudo.
Não pago merda nenhuma, seus cabrões, vocês tinham um serviço óptimo, prefiro mil vezes comprar um dicionário, dez dicionários, vinte enciclopédias a ter de vos pagar!
quinta-feira, maio 22, 2003
gato4.wmv
Filme que eu fiz. Tem 1 mega. Acho que não dá para abrir, tem de se gravar e depois abrir com o wmp.
Digam-me se dá para ver ou não.
quarta-feira, maio 21, 2003
Img_0031.avi
Semáforos do Lumiar. A mustek também faz pequenos filmes.
Se der erro, façam download e abram o ficheiro com o Windows Media Player.
PUBLICO.PT - Última Hora
"(...) TPI contemplar no seu leque de medidas sancionatórias a pena de prisão perpétua, que é inexistente à luz da legislação nacional.
O Governo adapta a legislação nacional ao TPI, mas consagra que se um suspeito tiver nacionalidade portuguesa ou for encontrado em território nacional pode ser julgado pelos tribunais portugueses, evitando-se, assim, a pena de prisão perpétua."
Então não. 'Tou mêmo a ver. 'Tou mêmo a adivinhar o lindo resultado disto.
POL | Cultura | "Apaixonei-me mesmo pela Lillias"
"Está a escrever alguma coisa agora?
Estou a escrever, muito devagarinho. Ontem escrevi uma frase, vá lá! Fiquei toda contente, já há muito tempo que não escrevia nada."
Fiquei com vontade de ler Hélia Correia.
terça-feira, maio 20, 2003
Aqui deixo o segundo capítulo de um livro que nunca cheguei a terminar. É o último.
(P.S. O Dragão fala à çopinha de maçça.)
_______
- 2 -
O mapa não era lá muito claro, e a zona que o pescador indicara estava um pouco esborratada.
Ou isso ou era a sua miopia a fazer das suas. Tinha orgulho nas lentes de contacto que os amigos, dois anos antes, lhe tinham arranjado. Foram feitas por medida. Embora ele não confiasse lá muito na qualidade dos 'oculiçtaç' daquela ridícula dimensão, a verdade é que as lentes tinham ficado muito bem. Mas, depois de dois anos, devia precisar trocá-las. Só de pensar que tinha de perder outra escama de prata... “Fico depenado em menoç de nada!”
- Engraçado - disse, olhando o mapa - é do outro lado da çidade... maç agora com eçte nevoeiro como é que eu vou açar o caminho?
O dragão já se tinha despedido, lacrimejante, da namorada, a ponte Vasco da Gama que confundira por fémea da sua espécie, e nadava rio Tejo acima.
De repente, apesar da miopia, viu ao longe, em terra, uma figura negra perseguindo outra figura menor, de foice na mão. Ao aproximar-se, escutou:
- Ah pirralho, filho de um cabrão! Anda cá que eu dou-te o arroz! Anda cá, sacana! Devolve-me já isso! Anda cá, ah, vou-te mandar para o lugar mais quente do inferno! Filho da mãe, dá-me isso!
O miúdo andava de roda da Dona Morte, saltitando divertido, rindo-se com a sua falta de jeito e pouca flexibilidade de movimentos.
- Não dou, não dou, não dou! Não tens nada que ser vaidosa com essa idade! Para que é precisas de uma fita de cabelo se nem sequer tens cabelo, hã?! Não dou, não dou, não dou e pronto! Porque é que tinhas de levar a minha cadelinha, hã? Porquê! Ela não te fez mal nenhum! Era tão novinha!
- O raio da cadela já tinha mais de quinze anos! Só não a vim buscar mais cedo por causa da maldita burocracia! Dá-me a fita do cabelo! Dá-ma cá!
- Mentira! Ela ainda nem tinha dez anos! És uma mentirosa! Não gosto de ti! Não tinhas nada de levar a Tareca.
A Morte parou de correr atrás do petiz e repetiu, espantada e sem fôlego:
- Tareca? Isso lá é nome de cão?!
O miúdo aproximou-se dela determinado e deu-lhe uma bruta canelada.
- AUU! Filho da mãe, que se dane a burocracia, tu vais e é já!
- Malvada! - e desatou a correr em volta dela, acenando-lhe com a fita à frente do crânio branco, no sítio onde, supostamente, um dia tinha estado o nariz.
Num ápice, sem que o miúdo desse por isso, a Dona Morte com um movimento ágil, apanhou a camisola dele com a foice e elevou-o no ar. Riu-se e disse:
- Já não me escapas...!
Fez balanço com a foice e lançou o rapaz para o ar e, quando ele vinha a cair, a foice estava à espera para fazer a colheita.
Quando a Dona Morte corta o ar com a foice e olha triunfante para o resultado... vê um enorme dragão prateado a segurar o miúdo numa das... bem... mãos.
- Mas... mas... mas... já não se pode trabalhar nesta terra! É impossível! Que gente mais sem consideração nenhuma!
- Não sou çente, çou um dragão, não me confundaç.
- Vai para o raio que te parta sejas lá quem fores! E devolve-me o pirralho, tenho uma quota a cumprir, senão ao fim do mês não me dão o salário por inteiro e fico a esparguete de tomate para o resto da semana! Já para não falar na reforma, estes filhos da mãe andam a cortar benefícios a cada ano! E ainda tenho de gramar com gajos destes que não me deixam trabalhar! Dá-me o miúdo, pá!
O dragão olhou para o miúdo e depois para a figura de negro e de novo para o miúdo que se agarrou à... bom, mão, e desatou a suplicar:
- Não, não, por favor, ela mata-me! Não me largues!
- Mata-te?
- Mata-me!
- Mata-te?! Maç porquê!
- Eu roubei-lhe esta fita.
- E ela...
- Ceifa-me, corta-me a tola.
- Çó por içço?! Maç que mal educada! Ò çua mal encarada - disse ele -, o miúdo fica comigo!
Podem não acreditar, mas a caveira da dona Morte começou a avermelhar, a avermelhar até sair fumarada pelos orifícios dos olhos e nariz.
- Não podeç andar por aí a ceifar aç peççoaç a torto e a direito! Era o que faltava!
- É o que eu faço, sua gradessísima besta! Devolve-me o pirralho agora senão vais tu também!
Dona Morte, minúscula, avançava directa ao ainda gigantesco dragão.
- Tu? Tu... ah... não... poçço, não! Ah, ah, ah!
Ria-se e o miúdo chocalhava por todos os cantos.
- Ó, deçculpa. Sobe aqui para cima - lançou-o para as costas enquanto tirava com dois dedinhos, delicadamente, a foice da figura vestida de negro e depois lhe dava um piparote, arrastando-a para longe.
- Toma - entregou a foice ao miúdo. - E tu, moçquito, mete-te com alguém do teu tamanho!
- Estúpido! Dá-me a foice! É o meu instrumento de trabalho! - vociferava ao vê-los afastarem-se . - O que é que eu vou dizer ao meu chefe! Vai ser descontado no meu salário! Fazes ideia das contas dos cartões de crédito que eu tenho para pagar, fazes?! E a renda! E a porcaria da universidade privada para a minha filha! Os preços estão pela hora da Morte!
Porém nenhum a ouvia. Subiam o rio.
- Vão ver! Ai vão! Quando as melgas não morrerem e os desatarem a picar, vão sentir a minha falta! Quando as pulgas e as moscas vos tirarem o sangue, vão rezar por mim! Quando os virús e as bactérias que vos fazem doentes não morrerem, vão sentir na pele o quanto sou necessária!
Calou-se.
- E agora, como é que eu vou para casa? Perdi o último autocarro. Sacana do miúdo... ai quando o apanhar...!
O miúdo brincava com a foice ao mesmo tempo que se equilibrava nas costas do dragão.
- Onde é que eu te deixo? - perguntou ele.
- Deixares-me? Não me podes deixar! Ela apanha-me!
- Não apanha que eu dou-lhe um piparote e mando-a para o Barreiro!
O miúdo riu-se.
- Levo-te aoç teuç paiç. Deçpacha-te e diç-me porque eu hoje eçtou muito ocupado!
- Falas de uma maneira engraçada.
- Pençei o meçmo de ti. Moraç onde?
O rapaz calou-se.
- Çe te moçtrar no mapa é capaç de ser maiç fácil.
- Pois. Sim...
O dragão estacionou no meio do rio e virou a enorme carantonha para ele e esticou o mapa nas costas.
- É aqui?
- Hum... não...
- Eçtrela?
- Não...
- Bairro Alto?
- Na-não...
- Graça? Çanto Amaro? Alcântara?
- Estás a apontar para o Rato e para o Campo de Ourique.
- Ah! Eçtas lenteç!
- Vês mal?
- Não! Claro que não! Aç lenteç é que ção defeituoçaç!
- A mim parece-me que não vais conseguir ir a lado nenhum se estás a ver desse jeito.
-Vejo perfeitamente bem!
- Ah sim? Então diz-me: de que cor são as calças do homem que vai a passar ali no Cais de Sodré?
- Vermelhaç! Não, não, eçpera. Azuiç!
- Aquilo nem é um homem.
-Eu çei! Vi logo que era uma mulher!
- É um prédio.
- ...
- Eu guio-te! Pago-te o favor! Deixa-me ajudar-te! Em forma de agradecimento!
- Maç a tua família...
- Não tenhas problemas com isso, eles não se vão preocupar!
- De çerteza?
- De certeza! Então, diz lá, vais para onde e fazer o quê!
- Vou para Çintra aumentar de tamanho!
- ...
O miúdo olhou para o dragão, boquiaberto.
- Ok, perdeste-me. Sintra? Tamanho? Tu és grande! Queres ser maior ainda?!
- Oh, eçtou minúçculo! Minorca! Maiç pequeno que uma pevide!
-Estás a exagerar...
- Não! Çou maiç pequeno que uma miçerável caçca de noz! Que um doç macacoç que habitam no voçço nariz (como é que oç põem lá dentro, a propóçito?)! Maiç mirradinho que o caroço da banana! Çou um infeliz!
- Não chores! Não chores!
- Deçculpa, àç vezeç deixo-me levar pelaç emoçõeç. Eu era maior, maior do que içto que vêç, maç, com o tempo, inexplicavelmente, tenho andado a minguar, a minguar... vou a Çintra, a uma eçpecialiçta! De renome mundial! O que não é lá grande credencial, maç é o melhor que çe arranja neçta dimenção.
- E quem te disse isso?
- Um amigo.
- Confias nele?
- Confio. E também confio na minha habilidade de lhe partir oç oççinhoç todoç çe deçcubro que me pregou uma treta.
O miúdo começou a coçar a cabeça, a olhar para trás, a olhar muito para a foice e depois disse:
- Sabes, vamos confiar na palavra do teu amigo. Por agora. Vamos até à especialista a ver se ela te cura e ver se também me pode ajudar.
- Açudar-te? Tu éç minorca, maç aqui é normal e depoiç ainda cresces maiç um bocadito...
- Não é isso, é outra coisa. É a minha Tareca.
-Tareca?
- A minha cadela - fungou. - Gostava tanto dela...
-Cadela? Nome bizarro para uma cadela... por falar niçço, como te çamas?
- Eu? Bruno. E tu?
- Ah, o meu nome é simples: ÇççXslkjfzWsÇW§.
- ...
- Quereç que repita?
- Posso só tratar-te por dragão?
- Tenho um nome tão bonito e ninguém o uça! Maç eçtá bem... - suspirou - podeç.
- Deixa lá ver o mapa e indica-me de novo o sítio.
- Aqui.
- Isso é Espanha.
- Oh! Vê tu! Sabichão...
Bruno riu-se.
segunda-feira, maio 19, 2003
O Bombista
Flamejante auriflama incendiada
patriótica face entumecida
com dentes de coroa cariada
e alma nacional - apodrecida.
Galões de oficial. Na face armada
um sorriso de arcanjo genocida
mais os comendadores da comendada
comandita que nos comanda a vida.
Olhar alarve mas não inocente
na mão aberta a palma democrata
na mão escondida a saudação fascista.
É fácil perceber que nem é gente
é um simples piolho que se cata
é um filho da puta é um bombista.
José Carlos Ary dos Santos
domingo, maio 18, 2003
sábado, maio 17, 2003
Vejo agora na rtp2: a manada na caça.
Não sabia que tinha aberto a época de caça ao Assis.
Estas coisas, pá, ninguém me avisa.
Agora a sério. Mas o que é que aquelas bestas têm/tinham contra o homem? Isto pode linchar-se uma pessoa (político, não político) assim tão facilmente neste país? Há imagens claras de agressões. Espero que ele meta aqueles animais todos em tribunal.
(Atenção: eu não sou do PS. Nem do PSD, nem sou comuna, sou vermelha só em ocasiões raras, quando o Benfica ganha.)
Mas que raio...
Portugal é tão absolutamente ridículo. Ridículo, atroz, mesquinho. Aquela é a mesma malta que vai às trombas da santa esposa quando a equipa da casa perde, aposto.
'Tou a ver que os políticos têm de começar a ter aulas de Kung-Fu.
sexta-feira, maio 16, 2003
(E se de repente...)
(Isso é Impulse.)
Já lá dizia o anúncio.
De repente estou intimidada. Tanta malta com blog. Tanta malta importante com blog. E agora, o que é que eu digo? Também tenho de começar a dizer coisas importantes? De repente tenho de começar a levar isto a sério? Mas se fiz o blog exactamente por causa da ausência (louvada, louvável) da seriedade.
De repente estou no mato sem cachorro.
Eu não quero ser séria, porra.
(Salvo seja. Não comecem já a pensar maldades!)
Marotos.
Acho que já me arrependi de ter “saído do armário”. Ó, bendito anonimato!
É que se eu sou eu mesma (vestindo, trajando o nick Dunyazade) como não posso ser decente? Isto é: crescida. Adulta. Com opiniões. E mais sei lá o quê.
Já me arrependi, pá.
Ó merda, e agora? Começo tudo de novo? Inicio, algures em Bagdad, outro blog, a identidade anonimamente protegida?
Sinto-me livre (tão livre) quando... não tenho identidade a apresentar.
Posso dizer tudo, escrever tudo.
Não sei ser mais eu – despindo-me de nick.
Melhor: até sei, mas não gosto. Perturba-me. Constrange-me.
A minha liberdade, ó bolas, depende em grande parte do anonimato.
‘Tou tramada. Ainda arranjo outro blog.
Não sei. Logo se vê.
/fui
quinta-feira, maio 15, 2003
Dicionários Porto Editora
"(...)a partir de 1 de Junho de 2003, iremos restringir o acesso gratuito exclusivamente ao Dicionário da Língua Portuguesa, passando o acesso aos restantes dicionários a ser condicionado ao pagamento de uma subscrição do novo serviço INFOPÉDIA, a maior base de conteúdos, on-line, em língua portuguesa."
Cabrões. Cabrões. Cabrões. :[
Salon.com Technology | The revolution will be photographed
Será? Must. Buy. Digital. Camera.
Depois dos blogs... os fotologs!
quarta-feira, maio 14, 2003
terça-feira, maio 13, 2003
Sabem uma coisa? Em Novembro não quero outra vez estar sozinha nisto.
Entre 14835 pessoas que se inscreveram eu era a única a escrever em português. Diz muito sobre nós, n'est ce pas?
Têm seis meses. Vão pensando no assunto.
Ai, e o título?
Deita fora a alma, agora,
mas não te livres dos acessórios do corpo
ou dos materiais acessórios corporais
como os cd's, a escova, a massa por fazer,
o carro novo com sete airbags porque para
morrer há que ter classe e segurança.
Exacto, liberta a alma e, porém,
no intermédio do tempo, do resto, cuida
do corpo, lava-o com omo, presto,
põe-no a secar no jardim, livre
de ti, e entretém-te, enquanto seca e não seca, a ver a alma
voando, voando... voando...
Pois. É certo. Por esta hora és leve e liberto.
A tua vida não é nem breve nem longa, que importa.
Já não contas os dias, os minutos,
porque quem usava relógio era a tua
alma. E ela, alada e livre, já
não sabe contar. Já não conta.
Cuida do corpo, que é belo, há que
vesti-lo e penteá-lo, secá-lo e lavá-lo.
A ordem é a tua. Escolhe.
Concentra-te na carne, sim, na do tacho;
concentra-te no gaspacho, é bom para a dieta,
toma-o de manhã cedinho,
faz-te bem. Não percas de vista o
corpo. E não confies muito nele porque
agora, sem alma, sem cativa, sem
prisioneira e mestra, não é de fiar,
é um valdevinos. Para ele a vida
é uma bebedeira passageira. Para ele
a vida não és tu. Portanto não te fies... não te fies...
25/11/01
segunda-feira, maio 12, 2003
Agora até já vêm parar ao meu blog com esta pesquisa, lol.
Não, caríssimo cliente, não temos tal mercadoria. Se for aos calabouços da Pêjota talvez se arranje um versito ou dois.
The catch! Eu sabia que havia!
"Estimado Cliente,
Por lapso o mail que lhe enviámos na passada 6ª feira, dia 09/05/2003, estava incongruente com as datas publicadas no nosso site.
Desta forma e como não queremos que os nossos clientes fiquem prejudicados, informamos que durante o mês de Maio, a partir de hoje, dia 12/05/2003, todos os dias úteis, entre as 04H00M e as 07H00M, são “Happy Hours”.
Para mais informações queira consultar por favor: http://netcabo.sapo.pt/happy/netcabo_trafego_sem_limite.htm
Cumprimentos,
TV Cabo Portugal
Direcção de Marketing"
São macacos estes gajos, agora vêm com a cena da Rectificação! Pois, 'tá bem. A gente percebe.
E agora se eu me fio, hã? No mês seguinte atiram-me com outra Rectificação e quem se Rectifica sou eu.
Vão mas é vender gelo para o Pólo Norte.
Convite que recebi no mail. Deixo-o aqui.
C O N V I T E
A Antígona convida-o para o lançamento do livro
Manifesto Contra o Trabalho
do Grupo Krisis,
que terá lugar no dia 17 de Maio, pelas 21h30,
na Livraria Ler Devagar,
Rua de S. Boaventura, 119
(ao Bairro Alto).
Esta sessão contará com a presença de
Norbert Trenkle,
co-autor da obra,
e será seguida de um debate
acerca da sociedade do trabalho,
na actual crise do capitalismo mundial.
A Antígona,
declaradamente contra a ditadura do trabalho,
mas não contra os produtores de vinho,
oferecerá aos seus convidados
uma pipa de tão precioso néctar.
A Antígona convida-o para o lançamento do livro
Manifesto Contra o Trabalho
do Grupo Krisis,
que terá lugar no dia 17 de Maio, pelas 21h30,
na Livraria Ler Devagar,
Rua de S. Boaventura, 119
(ao Bairro Alto).
Esta sessão contará com a presença de
Norbert Trenkle,
co-autor da obra,
e será seguida de um debate
acerca da sociedade do trabalho,
na actual crise do capitalismo mundial.
A Antígona,
declaradamente contra a ditadura do trabalho,
mas não contra os produtores de vinho,
oferecerá aos seus convidados
uma pipa de tão precioso néctar.
BBC NEWS | Technology | Bloggers unite to fight
"Iranian Sina Motallebi has been held by the authorities on, so far, unspecified charges and now fellow web users are banding together to press for his release."
São cinco da manhã e eu, blog owner, não estou a ser oprimida no Irão.
Mas há quem esteja.
Diaries of a Steppenwolf
"It's the first day of Heaven, and Gabriel is guiding the freshmen for a tour of the heavens.
Here be Christians,
Here be the Buddhists,
Here be the Jews,
And hshhh . . . Don't make a noise, here are the Muslims.
-and why be quiet?
-They believe they are the only ones here!"
LOL
domingo, maio 11, 2003
sábado, maio 10, 2003
Mail recebido hoje.
"Estimado Cliente,
Em primeiro lugar gostaríamos de agradecer o facto de podermos contar consigo entre os nossos clientes do serviço NetCabo.
Durante o mês de Maio a TV Cabo tem mais uma prenda para si …
Assim, todas as 2ªs, 4ªs e 6ªs feiras, deste mês, entre as 04H 00M e as 07H 00M, poderá navegar sem se preocupar com os limites de consumo, porque todo o tráfego efectuado durante este período não será contabilizado para efeitos de facturação.
Navegue, pois, descansado, durante três horas, nos próximos dias 12, 14, 16, 19, 21, 23, 26, 28 e 30 e Maio !
Para mais informações queira consultar http://netcabo.sapo.pt/happy/netcabo_trafego_sem_limite.htm.
Fique atento ! Temos concerteza mais prendas para si !
Cumprimentos,
TV Cabo Portugal
Direcção de Marketing"
What's the catch?
(Eu sei que há, eu sei que há.)
Receituário
É muito fácil fazer poemas.
É, de todas, a mais simples receita do mundo.
Vai-se ao fundo da alma e partem-se os alicerces.
Recolhem-se à superfície. Dividem-se em palavras,
sujeitos, adjectivos, conceitos - a natural
argamassa de um banal poema.
Depois não se bate não se mexe nem se leva a lume brando.
Dá-se ao primeiro passante que nele cuspirá
por o haver confundido com um selo.
Um poema não é para sabê-lo, tê-lo, crê-lo ou havê-lo.
É para dar ao primeiro passante. Que o lançará no
caixote do lixo, visto ser cidadão correcto (exemplar, modelar);
e não concorda em conspurcar as ruas da cidade com poemas
de merda. Nem servem para estrume.
Por aqui se vê a total inutilidade dos poemas:
é que nem servem para estrume.
11/99
sexta-feira, maio 09, 2003
Sítio giro, nice, coisa e tal. Se houver net, pá, tudo bem.
The Dante's Inferno Test has banished you to the Third Level of Hell!
Here is how you matched up against all the levels:
Take the Dante's Inferno Hell Test
The Dante's Inferno Test has banished you to the Third Level of Hell!
Here is how you matched up against all the levels:
Level | Score |
---|---|
Purgatory (Repenting Believers) | Low |
Level 1 - Limbo (Virtuous Non-Believers) | High |
Level 2 (Lustful) | Low |
Level 3 (Gluttonous) | High |
Level 4 (Prodigal and Avaricious) | Moderate |
Level 5 (Wrathful and Gloomy) | Low |
Level 6 - The City of Dis (Heretics) | Moderate |
Level 7 (Violent) | Moderate |
Level 8- the Malebolge (Fraudulent, Malicious, Panderers) | Low |
Level 9 - Cocytus (Treacherous) | Very Low |
Take the Dante's Inferno Hell Test
quinta-feira, maio 08, 2003
João Ubaldo Ribeiro - Memória de Livros
" -- Seu filho está doido -- disse ela, de noite, na varanda, sem saber que eu estava escutando. -- Ele não larga os livros. Hoje ele estava abrindo os livros daquela estante que vai cair para cheirar.
-- Que é que tem isso? É normal, eu também cheiro muito os livros daquela estante. São livros velhos, alguns têm um cheiro ótimo.
-- Ontem ele passou a tarde inteira lendo um dicionário.
-- Normalíssimo. Eu também leio dicionários, distrai muito. Que dicionário ele estava lendo?
-- O Lello.
-- Ah, isso é que não pode. Ele tem que ler o Laudelino Freire, que é muito melhor. Eu vou ter uma conversa com esse rapaz, ele não entende nada de dicionários. Ele está cheirando os livros certos, mas lendo o dicionário errado, precisa de orientação."
Deixo aqui um capítulo de um livro que comecei a escrever e não cheguei a terminar. Utilizo uma das personagens que já tinha usado no "Lisboa Singular". Façam de conta que é um conto.
______
O Dragão sem Altura
Esta é história do dragão que falava à çopinha de massa. Muitos já devem ter ouvido falar dele de certeza. Ele vive ali na zona de Lisboa, no rio Tejo. Coitado, anda triste. E por causa disso já quase ninguém o vê. Dantes qualquer pessoa que passeasse pela zona ribeirinha o via, abraçado à ponte Vasco de Gama, a trocar carícias e afagos. Eles os dois são namorados... exacto, namorados. Enfim, é uma longa história.
O dragão tinha perdido a altura. Antigamente era enorme, gigantesco! Mas encolheu, encolheu para caraças o desgraçado. Diminuiu tanto de tamanho que começou a ficar com muito medo que a namorada deixasse de gostar dele. Ele olhava para si próprio e lamentava-se:
- Aç minhaç eçcamaç de prata perderam o brilho! A flexibilidade! E nem çequer neçta dimeção horroroça há um hidratante de pele para dragão como deve çer! Em todaç aç outraç há, maç neçta raçca não!
A propósito, o dragão falava à çopinha de maçça. Ele tinha ido parar ao rio Tejo depois da Alquimista ter feito umas misturas nas poções. (Ela metia-se nos copos, mas adiante.)
O pobre do dragão sentia-se muito desgostoso. O que ele quer é aumentar de novo para o tamanho de um T21 com garagem, arrecadação, sauna e piscina interior.
Um dia um pescador que vai a caminho da costa para ajudar na recolha das não sei quantas toneladas de crude largadas por um petroleiro com imenso (toneladas) de prestígio, vê-o, vê-lhe os olhos tristonhos, as orelhas murchas, o rabo dentro da água, inerte, e pergunta-lhe:
- Olha lá, mas tu estás com essas trombas então porquê?! Parece que toda a gente te deve e ninguém te paga!
- Oh... – suspirou o dragão, muito desconsolado, ‘tadinho.
- Fala lá, pá! Estás entre amigos! Aqui nunca ninguém te tentou caçar pois não?
Ele acena negativamente com a cabeça draconiana.
- E olha que davam cá um cacau... se davam – diz o pescador diminuindo os olhos e concentrando-se na criatura deprimida. – Os japoneses, nem te digo. E os chineses... diziam que a carninha devia ser tenra. Bem! Mudando de assunto! Se estás com medo que o petróleo venha cá ter ao rio, não tenhas, a gente com sorte o vento muda e quem leva com ele são os franceses! E também se chegar cá é como se não chegasse! Imitas os portugas, cá a malta da terra, e fazes de conta que não há petróleo nenhum... pronto, assunto arrumado!
- Não é nada diçço....
- Fala lá, catano!
- É a minha namorada...
- Aquela? – aponta para a ponte ao longe.
- Sim...
- Vocês zangaram-se? Olha que outra como aquela não arranjas, rapaz! Quem me dera que a minha mulher fosse assim tão quietinha e caladinha. Ah, calada era um primor! Que raio de problemas é que podes ter com a ponte?
- Não é uma ponte, porra! Ça diççe milhentaç veçes que é uma fémea da minha eçpécie!
- Pronto, pronto, não te zangues que não é preciso... feito, olha que tu também quando queres tens um feitiozinho. Então que foi, ela pôs-te os cornos?
- Oç... oç quê?
- Nada, nada, esquece. Diz de uma vez que eu já estou atrasado lá para a mariscada que os colegas vão fazer na Galiza.
- Eçtou pequeno. Eçtou muito pequeno...
- A minha patroa às vezes queixa-se do mesmo, até me fez ir ao médico para que ele me receitasse uns comprimidos azuis e... mas, pela tua cara e... olhando para a... a cara da tua... patroa, não me cheira que seja isso. Estás pequeno como? Em que sentido?
- Encolhi! Não vêç que não tenho o tamanho que tinha!
- Ahhh! Tens razão, rapaz, pois é verdade, ‘tás a modos que pequeninito... pá, chatice, chatice tramada. Mas olha que não é o tamanho, mas o que se faz com ele! Não é o que se costuma dizer?
O dragão nem respondeu. Deixava-se boiar na água, tristíssimo.
- Hum... pois... o problema é... é... se...
- Çe?
- Não, nada, nada, esquece.
- Diç!
- Se... continuas a diminuir de tamanho até desapareceres...
De repente o dragão empertigou-se e arregalou os olhos. Encostou a caratonha, que mesmo pequena era ainda enorme, à do pescador e clamou, aflito:
- Aças! Aças!
- Quer dizer, não sei! Mas... essa coisa do tamanho, já andas a ter isso há muito tempo?
- Há muito! Eu é que não notava! Ia encolhendo aoç poucaçinhoç... e agora! – berrou – A minha manorada troca-me por outro!
O dragão largou numa choradeira arrebatada. Com as ondulações que provocava quase que fazia o pescador naufragar.
- Acalma-te, porra! Acalma-te! Pára lá! Pára lá com a torneira! – as lágrimas chuviam para cima dele como se estivesse no meio de uma tempestade. – Eu sei de uma maneira para tu voltares ao teu tamanho normal!
- Sabeç?
O choro e as ondulações pararam no mesmo instante.
- Sim... sim, pois sei...
- Diç-me! Diç-me! Olha, dou-te uma eçcama daç minhaç!
O pescador ergueu o sobrolho.
- De prata?
- Claro! Ção todaç de prata!
- Aceito! Passa para cá a escama que eu digo-te!
- Calminha... como é que eu çei que não me vaiç enganar...
- Ó meu rico, meu querido amigo! Há quanto tempo é que a gente se conhece! Alguém vez eu te enganei, hã? Alguma vez te causei algum dano?
- Houve aquela veç em que, por engano, me eçpetaçte com o arpão... – disse ele, com cara de mau.
- Isso foi um terrível mal entendido! Eu estava a apontar para a baleia azul!
- Não há baleiaç açuis no rio.
- Ou era para a de bossa? Isto são tantas qualidades que uma pessoa baralha-se!
- Não há nenhum tipo de baleia neçte rio.
- Seria para o golfinho?
- Çe calhar era para a melga. O arpão era para ter a çerteza que a iaç caçar...
- Ah-ah, este meu amigo, é um gajo às direitas! Muito engraçado! Vamos lá aos negócios.
- Diç-me como é e onde e eu à volta dou-te a eçcama.
- Ah, não! Isso assim não pode ser!
- Não pode...? – disse o dragão encostando-se muito ao rosto do pescador e sorrindo bastante para ele ver como os dentes estavam afiados.
- Tenho ali o mapa, vou já buscá-lo.
Era um mapa das ruas de Lisboa. Do outro lado, bem do outro lado, dissera o pescador, havia uma bruxa que de certeza o ia ajudar. Ela sabia tudo. Era capaz de tudo. O dragão lembrou-se da Alquimista que o havia lançado inadvertidamente para aquela dimensão e duvidou.
- Como aço a bruxa?
- Err... pois... deixa ver se me lembro.
- Não çabes?!
- Claro que sei, sei sim senhor, dá-me tempo para eu me lembrar! – dizia, coçando, frenético o queixo e a testa, suando um pouco. – Ah! – bateu com a mão na testa. – O Frederico! O Frederico é que sabe!
- Quem?
- O Fred! Vais ter com o Fred que ele diz-te tudo, indica-te o caminho e até te dá cama, comida e roupa lavada! É um porreiraço, o Fred, deve-me uns trocados, mas é um tipo às direitas... isso, vai ter com o Fred! Eu até o aviso por telémovel que tu vais lá ter com ele!
O dragão começou a tremer por todos os cantos. O pescador estava paralizado de medo, a pensar no pior, quando de repente a choradeira o cobriu dos pés à cabeça.
- Buáááá! Sniff! Eçtou muito emocionado! A tua açuda comoveu-me até àç barbatanaç interdigitaiç! Até te dava a eçcama já agorinha meçmo, maç... – e aproximou-se, fungando, do pescador – não quero ficar deçcompoçto, quero deçpedir-me da minha namorada bem arranjado, compreendeç, não é?
- Cla-claro! Vai, vai em paz....
- Éç um amigo. Çó não te abraço porque te partia os oççinhso todoç. Mas deçcança que eu volto para agradecer-te!
E mergulhou na água, desaparecendo por completo.
O pescador sentou-se a recuperar o fólego. Depois, de súbito, ergueu-se e foi buscar o telemóvel.
- Está? Olá Fred...
______
O Dragão sem Altura
Esta é história do dragão que falava à çopinha de massa. Muitos já devem ter ouvido falar dele de certeza. Ele vive ali na zona de Lisboa, no rio Tejo. Coitado, anda triste. E por causa disso já quase ninguém o vê. Dantes qualquer pessoa que passeasse pela zona ribeirinha o via, abraçado à ponte Vasco de Gama, a trocar carícias e afagos. Eles os dois são namorados... exacto, namorados. Enfim, é uma longa história.
O dragão tinha perdido a altura. Antigamente era enorme, gigantesco! Mas encolheu, encolheu para caraças o desgraçado. Diminuiu tanto de tamanho que começou a ficar com muito medo que a namorada deixasse de gostar dele. Ele olhava para si próprio e lamentava-se:
- Aç minhaç eçcamaç de prata perderam o brilho! A flexibilidade! E nem çequer neçta dimeção horroroça há um hidratante de pele para dragão como deve çer! Em todaç aç outraç há, maç neçta raçca não!
A propósito, o dragão falava à çopinha de maçça. Ele tinha ido parar ao rio Tejo depois da Alquimista ter feito umas misturas nas poções. (Ela metia-se nos copos, mas adiante.)
O pobre do dragão sentia-se muito desgostoso. O que ele quer é aumentar de novo para o tamanho de um T21 com garagem, arrecadação, sauna e piscina interior.
Um dia um pescador que vai a caminho da costa para ajudar na recolha das não sei quantas toneladas de crude largadas por um petroleiro com imenso (toneladas) de prestígio, vê-o, vê-lhe os olhos tristonhos, as orelhas murchas, o rabo dentro da água, inerte, e pergunta-lhe:
- Olha lá, mas tu estás com essas trombas então porquê?! Parece que toda a gente te deve e ninguém te paga!
- Oh... – suspirou o dragão, muito desconsolado, ‘tadinho.
- Fala lá, pá! Estás entre amigos! Aqui nunca ninguém te tentou caçar pois não?
Ele acena negativamente com a cabeça draconiana.
- E olha que davam cá um cacau... se davam – diz o pescador diminuindo os olhos e concentrando-se na criatura deprimida. – Os japoneses, nem te digo. E os chineses... diziam que a carninha devia ser tenra. Bem! Mudando de assunto! Se estás com medo que o petróleo venha cá ter ao rio, não tenhas, a gente com sorte o vento muda e quem leva com ele são os franceses! E também se chegar cá é como se não chegasse! Imitas os portugas, cá a malta da terra, e fazes de conta que não há petróleo nenhum... pronto, assunto arrumado!
- Não é nada diçço....
- Fala lá, catano!
- É a minha namorada...
- Aquela? – aponta para a ponte ao longe.
- Sim...
- Vocês zangaram-se? Olha que outra como aquela não arranjas, rapaz! Quem me dera que a minha mulher fosse assim tão quietinha e caladinha. Ah, calada era um primor! Que raio de problemas é que podes ter com a ponte?
- Não é uma ponte, porra! Ça diççe milhentaç veçes que é uma fémea da minha eçpécie!
- Pronto, pronto, não te zangues que não é preciso... feito, olha que tu também quando queres tens um feitiozinho. Então que foi, ela pôs-te os cornos?
- Oç... oç quê?
- Nada, nada, esquece. Diz de uma vez que eu já estou atrasado lá para a mariscada que os colegas vão fazer na Galiza.
- Eçtou pequeno. Eçtou muito pequeno...
- A minha patroa às vezes queixa-se do mesmo, até me fez ir ao médico para que ele me receitasse uns comprimidos azuis e... mas, pela tua cara e... olhando para a... a cara da tua... patroa, não me cheira que seja isso. Estás pequeno como? Em que sentido?
- Encolhi! Não vêç que não tenho o tamanho que tinha!
- Ahhh! Tens razão, rapaz, pois é verdade, ‘tás a modos que pequeninito... pá, chatice, chatice tramada. Mas olha que não é o tamanho, mas o que se faz com ele! Não é o que se costuma dizer?
O dragão nem respondeu. Deixava-se boiar na água, tristíssimo.
- Hum... pois... o problema é... é... se...
- Çe?
- Não, nada, nada, esquece.
- Diç!
- Se... continuas a diminuir de tamanho até desapareceres...
De repente o dragão empertigou-se e arregalou os olhos. Encostou a caratonha, que mesmo pequena era ainda enorme, à do pescador e clamou, aflito:
- Aças! Aças!
- Quer dizer, não sei! Mas... essa coisa do tamanho, já andas a ter isso há muito tempo?
- Há muito! Eu é que não notava! Ia encolhendo aoç poucaçinhoç... e agora! – berrou – A minha manorada troca-me por outro!
O dragão largou numa choradeira arrebatada. Com as ondulações que provocava quase que fazia o pescador naufragar.
- Acalma-te, porra! Acalma-te! Pára lá! Pára lá com a torneira! – as lágrimas chuviam para cima dele como se estivesse no meio de uma tempestade. – Eu sei de uma maneira para tu voltares ao teu tamanho normal!
- Sabeç?
O choro e as ondulações pararam no mesmo instante.
- Sim... sim, pois sei...
- Diç-me! Diç-me! Olha, dou-te uma eçcama daç minhaç!
O pescador ergueu o sobrolho.
- De prata?
- Claro! Ção todaç de prata!
- Aceito! Passa para cá a escama que eu digo-te!
- Calminha... como é que eu çei que não me vaiç enganar...
- Ó meu rico, meu querido amigo! Há quanto tempo é que a gente se conhece! Alguém vez eu te enganei, hã? Alguma vez te causei algum dano?
- Houve aquela veç em que, por engano, me eçpetaçte com o arpão... – disse ele, com cara de mau.
- Isso foi um terrível mal entendido! Eu estava a apontar para a baleia azul!
- Não há baleiaç açuis no rio.
- Ou era para a de bossa? Isto são tantas qualidades que uma pessoa baralha-se!
- Não há nenhum tipo de baleia neçte rio.
- Seria para o golfinho?
- Çe calhar era para a melga. O arpão era para ter a çerteza que a iaç caçar...
- Ah-ah, este meu amigo, é um gajo às direitas! Muito engraçado! Vamos lá aos negócios.
- Diç-me como é e onde e eu à volta dou-te a eçcama.
- Ah, não! Isso assim não pode ser!
- Não pode...? – disse o dragão encostando-se muito ao rosto do pescador e sorrindo bastante para ele ver como os dentes estavam afiados.
- Tenho ali o mapa, vou já buscá-lo.
Era um mapa das ruas de Lisboa. Do outro lado, bem do outro lado, dissera o pescador, havia uma bruxa que de certeza o ia ajudar. Ela sabia tudo. Era capaz de tudo. O dragão lembrou-se da Alquimista que o havia lançado inadvertidamente para aquela dimensão e duvidou.
- Como aço a bruxa?
- Err... pois... deixa ver se me lembro.
- Não çabes?!
- Claro que sei, sei sim senhor, dá-me tempo para eu me lembrar! – dizia, coçando, frenético o queixo e a testa, suando um pouco. – Ah! – bateu com a mão na testa. – O Frederico! O Frederico é que sabe!
- Quem?
- O Fred! Vais ter com o Fred que ele diz-te tudo, indica-te o caminho e até te dá cama, comida e roupa lavada! É um porreiraço, o Fred, deve-me uns trocados, mas é um tipo às direitas... isso, vai ter com o Fred! Eu até o aviso por telémovel que tu vais lá ter com ele!
O dragão começou a tremer por todos os cantos. O pescador estava paralizado de medo, a pensar no pior, quando de repente a choradeira o cobriu dos pés à cabeça.
- Buáááá! Sniff! Eçtou muito emocionado! A tua açuda comoveu-me até àç barbatanaç interdigitaiç! Até te dava a eçcama já agorinha meçmo, maç... – e aproximou-se, fungando, do pescador – não quero ficar deçcompoçto, quero deçpedir-me da minha namorada bem arranjado, compreendeç, não é?
- Cla-claro! Vai, vai em paz....
- Éç um amigo. Çó não te abraço porque te partia os oççinhso todoç. Mas deçcança que eu volto para agradecer-te!
E mergulhou na água, desaparecendo por completo.
O pescador sentou-se a recuperar o fólego. Depois, de súbito, ergueu-se e foi buscar o telemóvel.
- Está? Olá Fred...
quarta-feira, maio 07, 2003
terça-feira, maio 06, 2003
Há Lá
Há lá literatura maior do que uma caldeirada de peixe?! (Até a gata concorda comigo!)
Há lá literatura maior do que um beijo húmido?
Há lá literatura maior do que um bacalhau com natas, apurado no forno?
Há lá literatura maior do que um voo rasante de andorinha?
Há lá literatura maior do que o último dia de vida?
_______________________
O texto não me está a sair bem. Há um cordel de coisas dentro de mim que estou a ter dificuldade em puxar. Hoje sinto dificuldade em revelar-me a mim própria. A minha gata saltou para a secretária e devagarinho aninhou-se no meu braço esquerdo. Afastei o caderno para lhe dar lugar. Observou atentamente quando pus a mina na lapiseira. Às vezes pergunto-me o que pensará. “Estranhos bípedes, estranhos hábitos”, talvez. Quis fazer um texto enorme com o mote “Há lá literatura maior...”, mas saiu curto, raquítico. Better luck next time.
[Eish, devo uma carta há mais de um mês...!]
Há lá literatura maior do que uma caldeirada de peixe?! (Até a gata concorda comigo!)
Há lá literatura maior do que um beijo húmido?
Há lá literatura maior do que um bacalhau com natas, apurado no forno?
Há lá literatura maior do que um voo rasante de andorinha?
Há lá literatura maior do que o último dia de vida?
_______________________
O texto não me está a sair bem. Há um cordel de coisas dentro de mim que estou a ter dificuldade em puxar. Hoje sinto dificuldade em revelar-me a mim própria. A minha gata saltou para a secretária e devagarinho aninhou-se no meu braço esquerdo. Afastei o caderno para lhe dar lugar. Observou atentamente quando pus a mina na lapiseira. Às vezes pergunto-me o que pensará. “Estranhos bípedes, estranhos hábitos”, talvez. Quis fazer um texto enorme com o mote “Há lá literatura maior...”, mas saiu curto, raquítico. Better luck next time.
[Eish, devo uma carta há mais de um mês...!]
segunda-feira, maio 05, 2003
Mais um poema...
O MEU POVO
Há coisas bem estranhas na televisão
(que toda a gente devora, digere e entranha...)
Mas ninguém estranha as coisas estranhas que dão na televisão
Ontem deu um programa sobre um povo africano
Povo estranhíssimo, de falo à testa (Kalasha!), emblema masculino emblemático
Quem sabe, que eu não o sei, estou aqui, no presente, habito por demais o presente (a meu modo, é certo), quem sabe (repito) se no futuro, daqui a mil anos!, não serão esses, os de kalasha no crânio, os lembrados...
... e o meu povo esquecido?...
Mas qual é o meu povo?
A quem pertenço eu?
Sou d'onde?
Donde venho?
Qual será o futuro do meu povo?
Tê-lo-à?
Sou de Portugal - mas será o meu povo português?
Vivo nos arredores de Lisboa,
mas, suponho... sim, suponho - não tenho o sangue lisboeta em mim
Por vezes tenho o Tejo e o sol e a chuva e as ruas a abarrotar de turistas. E a ponte. E a outra ponte. E a areia de algumas praias - tenho pouco desse sangue em mim...
Mas o de Lisboa não, acho... embora não haja certezas...
O lisboeta não é a parte ínfima, individual, de um povo
Porque há mil anos atrás não havia lisboetas
Havia gente que práqui andava
(daqui a mil anos alguém dirá a exactíssima coisa)
No entanto, os de África, esses da televisão estranhíssima, já eram parte do que são hoje
E daqui a mil anos exibirão ainda, na fronte, a célebre kalasha, símbolo viril?
Estarão aqui (no futuro) e nós não?
Qual será o meu povo então?
Isto, supondo-se, que esse povo do futuro, que ninguém sabe quem é, se acredite, se creia verdadeiramente descendente dos portugueses...
(Não os antigos, aqueles das Descobertas e Naus Catrinetas, mas estes de hoje, murchos, murchíssimos de aventuras...)
(Dirá alguém: "Descendo dos vulgares, que descendiam de inventados heróis"?)
10/98
O MEU POVO
Há coisas bem estranhas na televisão
(que toda a gente devora, digere e entranha...)
Mas ninguém estranha as coisas estranhas que dão na televisão
Ontem deu um programa sobre um povo africano
Povo estranhíssimo, de falo à testa (Kalasha!), emblema masculino emblemático
Quem sabe, que eu não o sei, estou aqui, no presente, habito por demais o presente (a meu modo, é certo), quem sabe (repito) se no futuro, daqui a mil anos!, não serão esses, os de kalasha no crânio, os lembrados...
... e o meu povo esquecido?...
Mas qual é o meu povo?
A quem pertenço eu?
Sou d'onde?
Donde venho?
Qual será o futuro do meu povo?
Tê-lo-à?
Sou de Portugal - mas será o meu povo português?
Vivo nos arredores de Lisboa,
mas, suponho... sim, suponho - não tenho o sangue lisboeta em mim
Por vezes tenho o Tejo e o sol e a chuva e as ruas a abarrotar de turistas. E a ponte. E a outra ponte. E a areia de algumas praias - tenho pouco desse sangue em mim...
Mas o de Lisboa não, acho... embora não haja certezas...
O lisboeta não é a parte ínfima, individual, de um povo
Porque há mil anos atrás não havia lisboetas
Havia gente que práqui andava
(daqui a mil anos alguém dirá a exactíssima coisa)
No entanto, os de África, esses da televisão estranhíssima, já eram parte do que são hoje
E daqui a mil anos exibirão ainda, na fronte, a célebre kalasha, símbolo viril?
Estarão aqui (no futuro) e nós não?
Qual será o meu povo então?
Isto, supondo-se, que esse povo do futuro, que ninguém sabe quem é, se acredite, se creia verdadeiramente descendente dos portugueses...
(Não os antigos, aqueles das Descobertas e Naus Catrinetas, mas estes de hoje, murchos, murchíssimos de aventuras...)
(Dirá alguém: "Descendo dos vulgares, que descendiam de inventados heróis"?)
10/98
domingo, maio 04, 2003
sexta-feira, maio 02, 2003
Outro trecho do livro que ando a escrever.
"Há que viver o que se deseja no momento em que se o deseja.
- E se alguém nos apanha!
- Chiu. Cala-te.
- Mas...!
- Chiu! Ninguém nos apanha. Anda.
O Paulo da Boca Aberta era um mariquinhas pé de salsa, fosga-se. Entre escolher viver uma grande aventura e ver a TV Rural, escolhia a tortura do Engenheiro Veloso. Fosga-se, Paulo, medricas! Mariquinhas! “E se dizem à minha mãe!”, tremelicava. “Ela bate-me!” Maricas... tinha medo de tudo. Não podia sair e ir brincar, correr, jogar à bola, às escondidas, à apanhada, podia sujar-se, cair no chão e esfolar os joelhos e depois a mãe batia-lhe e não o deixava sair outra vez. Não podia subir às árvores, comer figos por causa do cieiro, não podia ir apanhar caracóis porque se molhava e sujava todo e o trabalhão que dá limpar-te a roupa, vocês fazem de mim escrava, tu e o teu pai!, resmungava a mãe dele, que era um palito, uma trinca-espinhas, mas má, bolas, mesmo má.
Coitado do Paulo da Boca Aberta. Não podia fazer nada."
quinta-feira, maio 01, 2003
PRESSA
I
Vem depressa para junto do teu amor,
Como o mensageiro real obedecendo à
Impaciência do seu amo - quer dizer, se
se acreditar num mensageiro real.
Vem depressa,
Tens toda a coudelaria à disposição,
A carruagem pronta.
Nem o mais impetuoso dos cavalos
- Quando a encontrares -
Se aproximará da velocidade do teu coração.
II
Traz o teu ímpeto
À casa da tua amada,
Tu que és o orgulho da coudelaria do rei,
Escolhido de entre uma centena de puros sangues,
Treinado com ração especial,
Que partes em galope sem igual
À mera menção da palavra estribo,
Sem mesmo o treinador
(Que é hitita)
Poder segurar-te.
Como ele conhece bem o coração dela
A que há-de ficar sempre ao seu lado.
in Poemas de Amor do antigo Egipto (entre 1567 a 1085 a.C.)
da Assírio & Alvim,
tradução de Hélder Moura Pereira, a partir de versões inglesas
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