sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Rejubilemos


Pudéssemos nós viver a decadência como se a decadência fosse luz – a luz dos tortos, a luz desapegada dos tortos.

Rejubilemos!, diz o torto, Rejubilemos à vista deste candeeiro de luz.

Eu gostava imenso de poder um dia sacanear deus com a luz apagada dos tortos, esses vermes que guincham em vez de cantarem; Rejubilemos!, dizem. E alto.

Deus é decadente. Precisa de criar; só é Absoluto quem não cria; cessemos hoje a criação e o mundo apaga-se, alcançamos o esquivo Nirvana; cessemos, portanto.

Deus ubíquo, o deus dos homens.

Hoje não é um bom dia para gastarmos.
Em nada.

Quero parar de consumir. E ter uma horta. Criar peixinhos. E comê-los. Com hortelã.

Cessem-se as rixas, os devaneios, as ideias, os pensamentos; parem todos de reflectir porque hoje não é um bom dia para nada.

Cesse-se o batimento cardíaco!, e o lento evoluir do caracol na carruagem do Metro.

Rejubilemos no lixo. Na fuga. No ócio bovino que nos mata enquanto suicidamos a terra e nos suicidamos a nós com ela; água, a riqueza futura; água, sigam quem por ela mate e aí tendes o futuro.

Enquanto não nos afogamos em fumo – rejubilemos!
Um fumo que se vai meter nos poros e cobrir-nos a pele de negro; e eis que Deus completa a sua obra – deixando que a obra se negue a ela própria; uma equação furada, esta, a da raça humana.
(Que se humaniza na memória, mas nunca no presente.)

Aleluias ao podre, ao fétido, ao suburbano plutoniano; aleluias ao fim que é o fim que é o fim. Aleluias à feroz decadência de consumos que nos faz cair ao lago negro devorador da noite, a noite comedora de almas.

1 comentário:

Unknown disse...

"Quero parar de consumir. E ter uma horta. Criar peixinhos. E comê-los. Com hortelã.
...
Rejubilemos no lixo. Na fuga. No ócio bovino que nos mata enquanto suicidamos a terra e nos suicidamos a nós com ela; água, a riqueza futura; água, sigam quem por ela mate e aí tendes o futuro.

Enquanto não nos afogamos em fumo – rejubilemos!
Um fumo que se vai meter nos poros e cobrir-nos a pele de negro; e eis que Deus completa a sua obra – deixando que a obra se negue a ela própria; uma equação furada, esta, a da raça humana."


Sim, enquanto não respeitarmos a nossa Mãe Natureza e todos os seres vivos que Dela fazem parte, enquanto não nos virmos como partes integrantes de um todo maior, estaremos a afogar-nos no lixo e no lodo das areias movediças, sem salvação à vista; por isso a solução está na mudança de paradigma,que começa exactamente no interior de cada uma de nós :)