FLORIDAS E MURCHOS
Era assim uma senhora bojuda, cuzuda, rabuda, fornecida de carnes (cortassem-na às fatias e fornecia os talhos de Lisboa! Não minto, senhores, sou narrador circunspecto, sisudo, lacónico, amante da verdade e das caracoletas).
Era assim uma velha velhota muito muito alegre, trazia alegria à vila, à cidade, espalhava o odor das flores nas ruas, que floriam seguindo os seus passos, mesmo em Invernos de rigoroso frio e rigorosas neves. Ria muito. Ria bem. Com sinceridade. Hospedava rugas. Tinha nome para elas: Florinda, Laurindo, Osvaldo, João, Ana Rita. André.
Havia um velho muito velho, seco de carnes (que lhe imitavam a secura de espírito). Não se sabia se tinha ou não dentes porque nunca o apanharam num sorriso. Entrava em qualquer sítio e o fôlego das pessoas morria, exauria-se; nos jardins, passeando na Primavera, as flores murchavam e os pássaros caíam por terra.
A senhora bojuda acreditava e praticava o acto da alegria.
O seco de carnes queixava-se do tempo, das maleitas, ai que me dói tudo, ai que não posso estar assim, ai quem me acode, ai que puta de vida a minha, ai e agora, ai tenho de chamar os bombeiros, levem-me de urgência ao hospital, ai que não me posso dobrar, ai que não me posso levantar, ai quem me limpa o ranho.
A senhora rabuda acreditava no risco, no viver, no ser-se abençoado pela vida e abençoá-la, nós, vivendo. Vivendo em júbilo e fazendo florir as flores nos corações humanos.
O seco de carnes preferia plantar-lhes a gangrena.
Adivinhem quem morreu primeiro.
Pois.
O funeral foi assim:
Ai que ela era tão nova tão novinha tão boa mulher e foi-se, a seguir vou eu, ai coitadiiiiinha deeeeeela!, ai que eu me fino, ai quem me acode já me está a dar alguma coisa, ai as palpitações, abram a cova que eu também vou, ai nem vale a pena levarem-me a casa, fico já aqui, ai que aflição, ai que medo, acudam, quem me ajuda, ai, mas foram-se todos embora e deixaram-me a falar sozinho?!
Malcriadões.
16 Março06
Sem comentários:
Enviar um comentário