Pedra
- Eu não a devia ter morto, não a devia ter morto, não devia, não devia. Devia, devia.
(Está um homem velho a mijar contra a parede do Metro. Nojo do velho.)
- Ela começou.
(Ó, ledo engano...)
- Foi ela, foi ela! Só lhe abri a cabeça ao meio com a rocha... foi só uma... pequena... pedra...
(Maior do que as tuas duas mãos juntas, e que são grandes! Uma cobre-te a cabeça até às orelhas.)
- Não doeu... rá... rápido...
(Vermelho. E pedacinhos bonitos de cinzento e osso. Deve ter doído. Tantas vezes bateste. Ela não parava de se mexer.)
- Mentira. Foi só uma vez.
(Não mintas. Eu estou aqui dentro, vejo tudo.)
- Não devia. Devia devia devia.
(Ó, porquê parar? Psst... anda cá, anda. Olha aquela pedra acolá. Não é bonita? Grande e bicuda. Boa para esmagar... mas temos de voltar ao Metro. Usá-la. Na cabeça do velho nojento e depois lançá-la para a linha. Descarrilar a carruagem. Centenas de mortos. Vai ser bonito. Esperas que venha com velocidade. Não pode ser no fim, quando parou. Pega nela.)
- Não.
(...)
(Aquela rapariga pensa que és bonito. Observa-te o queixo quadrado, os lábios finos e o cabelo russo.)
- Não pensa nada. Eu sou feio.
(Pensa sim. Consigo vê-lo. És lindo. És um pão. E sabes que mais?)
- O quê?
(Vai-te achar ainda mais belo se pegares na pedra.)
- ...
[Pausa.]
(Sim. Exacto. Vês? Sorriu! Sorriu-te! Caminha de volta ao Metro.)
- Não quero. Vou falar com ela.
(...)
- Vou dizer-lhe que é linda e pedir-lhe um cigarro.
(Faz isso depois. Ela espera por ti.)
- A sério?
(Vejo-a a pensar. Vai esperar. Diz-lhe que compreendes com um sorriso. Ela vai entender. E anda. Vamos entrar.)
- Eu já volto! Já volto!
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